Project Gutenberg's Chronica d'el rei D. Diniz (Vol. I), by Rui de Pina This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included with this eBook or online at www.gutenberg.net Title: Chronica d'el rei D. Diniz (Vol. I) Author: Rui de Pina Release Date: August 21, 2005 [EBook #16571] Language: Portuguese Character set encoding: ISO-8859-1 *** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK CHRONICA D'EL REI D. DINIZ *** Produced by Rita Farinha and the Online Distributed Proofreading Team at http://www.pgdp.net. Produced from images provided by Biblioteca Nacional Digital (http://bnd.bn.pt) Bibliotheca de Classicos Portuguezes Proprietario e fundador--Mello d'Azevedo (VOLUME LXXI) CHRONICA D'EL-REI D. DINIZ POR RUY DE PINA 2.ª edição VOL I _ESCRIPTORIO_ 147--RUA DOS RETROZEIROS--147 LISBOA 1912 BIBLIOTHECA DE CLASSICOS PORTUGUEZES Proprietario e fundador _MELLO D'AZEVEDO_ CHRONICA DO MUITO ALTO, E MUITO ESCLARECIDO PRINCIPE DOM DINIZ SEXTO REY DE PORTUGAL, COMPOSTA POR RUY DE PINA, Fidalgo da Casa Real, e Chronista Môr do Reyno. FIELMENTE COPIADA DO SEU ORIGINAL, Que se conserva no Archivo Real da Torre do Tombo. OFFERECIDA Á MAGESTADE SEMPRE AUGUSTA DELREY D. JOAÕ O V. NOSSO SENHOR. LISBOA OCCIDENTAL Na Officina FERREYRIANA. M.DCC.XXIX. _Com todas as licenças necessarias_. SENHOR Aos Augustissimos pés de V. Magestade chega a minha obrigaçaõ a offerecer-lhe a Chronica do senhor Rei D. Diniz seu duodecimo Avô. Esta, Senhor, he a Historia de hum dos mais gloriosos Principes, que teve a Monarchia Portugueza, porque se fez taõ conhecido pela sua prudencia, que dous grandes Reis o elegeraõ por arbitro, e Juiz das contendas, que lhe perturbavaõ a paz de seus Vassallos, e foi taõ venturoso, que mereceo ter por Espoza uma Matrona, que pela grandeza das suas virtudes, e dos seus milagres a veneramos hoje coroada no Ceo. Se me fora licito passar dos limites de uma Dedicatoria, bem podia mostrar ao mundo a semelhãça do Neto com o Avô, mas bastarmeha dizer, que aquella virtude verdadeiramente de Principe, qual he a liberalidade, sendo por ella tam celebrado El-Rei D. Diniz, V. Magestade a tem praticado de sorte, que o deixa infinitamente excedido. A Real Pessoa de V. Magestade guarde Deos como seus vassallos lhe dezejaõ. _Miguel Lopes Ferreira_ AO EXCELLENTISSIMO SENHOR *D. FRANCISCO XAVIER DE MENEZES* Quarto Conde da Ericeira, do Conselho de Sua Magestade, Sargento mór de Batalha dos seus Exercitos, Deputado da Junta dos Tres Estados, Perpetuo Senhor da Villa da Ericeira, e Senhor da de Anciaõ, oitavo Senhor da Caza do Louriçal, Commendador das Commendas de Santa Christina de Sarzedello, de S. Cipriano de Angueira, S. Martinho de Frazaõ, S. Payo de Fragoas, de S. Pedro de Elvas, e de S. Bertholameu de Covilhã todas na Ordem de Christo, Academico da Academia Real da Historia Portugueza, e um dos cinco Censores della, &c. Meu Senhor, buscar o amparo de V. Excellencia he effeito da mais prudente rezaõ, porque na sua pessoa se achaõ todas aquellas circunstancias, que seguraõ a protecçaõ. He V. Excellencia taõ affavel, e taõ benigno para todos, que suavisa, e facilita com estes dotes aquelle justo temor que se acha nos que ao mesmo tempo, em que os anima o dezejo de conseguirem o que pretendem, os detem, e suspende a grandeza de quem procuraõ como valedor. Porém V. Excellencia de tal sorte he inclinado a favorecer aos que se valem do seu patrocinio, que lhes está offerecendo as occaziões de o occuparem, como se unicamente nacera para todos. Naõ fallo na excessiva generozidade, com que V. Excellencia faz publica para todo o genero de pessoas a sua copiozissima, e selectissima Livraria, beneficio, com que tem attrahido geralmente a todos. E porque eu Excellentissimo Senhor, sou hum daquelles que com mais frequencia, e com muita especialidade tenho recebido os favores de V. Excellencia tomo a confiança de lhe pedir queira pôr na Real presença de Sua Magestade esta Chronica delRei D. Diniz, porque desta sorte por meio de taõ illustre valedor ficará desculpado o meu atrevimento. A Excellentissima pessoa de V. Excellencia guarde Deos muitos annos. B. as mãos de V. Excellencia Seu criado _*Miguel Lopes Ferreira*_ *PROLOGO* AMIGO LEITOR Aqui te dou na Chronica do Serenissimo Rei D. Diniz de Portugal outro argumento da palavra, que te empenhei quando te prometi dar impressas todas as Chronicas manuscriptas dos Reis deste Reino. Entre ellas era muito digna deste beneficio a delRei D. Diniz, porque sem duvida entre os Soberanos desta Monarchia mereceo elle hum lugar de maior distincçaõ. Aqui verás hum Principe taõ altamente respeitado, que pela sua grande prudencia foi o arbitro para o ajuste de pezadas contendas de dous Principes, o que conseguio com a dezejada felicidade, cujos documentos poderás ver na Sexta parte da Monarchia Lusitana, e em D. Diogo Jozè Dormes nos seus Discursos varios de Historia, impressos em Çaragoça em 1683, em quarto a folhas 135. Pelo seu conselho foi taõ venerado, como temido pela sua espada; com a qual entrou taõ felizmente pelas terras inimigas, que mais parecia triunfante, que combatente. Foi taõ venturoso, que mereceo ser Espozo da Rainha Santa Isabel, sendo tantos os pretendentes daquella Princesa, que parece que lhes prognosticavaõ os corações, que havia de ser a gloria da Monarchia, que a tivesse por Soberana. Tudo isto he a materia desta Chronica, que se a naõ achares escrita em estillo elegante, naõ ponhas a culpa ao Author, põe-na ao tempo, que tudo desfigura com as suas necessarias mudanças, porque he certo que os Reis de Portugal, que elegeraõ ou a Fernaõ Lopes, ou a Ruy de Pina para Chronistas móres deste Reino, haviaõ de eleger a huns homens, que fossem merecedores de taõ authorizada occupação pelas suas letras, e pela sua elegancia. _Vale_. *LICENÇAS* DO SANTO OFFICIO Vistas as informações, pode-se imprimir a Chronica delRei D. Diniz, e depois de impressa tornará para se conferir, e dar licença que corra, sem a qual naõ correrá. Lisboa Occidental 29 de Agosto de 1727. _Fr. Lancastre. Cunha. Silva. Cabedo_. DO ORDINARIO Vista a informação pode-se imprimir a Chronica de que se trata, e depois de impressa tornará para se conferir, e dar licença que corra, sem a qual naõ correrá. Lisboa Occidental 9 de Outubro de 1727. _D.J.A.L_. DO PAÇO SENHOR Já na cençura da Chronica delRei D. Affonso III que V. Magestade foi servido commeter-me, disse, que a maior recomendaçaõ para o prelo, era o nome de seu Author. Nesta delRei D. Diniz, e nas mais facilmente se distinguirá o que for parto do entendimento de taõ grande Chronista, pois de alguns escritos se duvida serem seus. E sendo quem os ler juis recto, ficará ao arbitrio da sua prudente critica o exame da verdade delle: sendo sempre muito util que se imprimaõ por ser a lição das Historias estudo da maior utilidade, porque nellas se achaõ todos os principios da verdade, da prudencia, e da sabedoria. Isto mesmo me parece quanto ás Historias delRei D. Affonso o IV e delRei D. Duarte em que concorrem os mesmos motivos, por naõ multiplicar cençuras. V. Magestade mandará o que for servido. Lisboa Occidental 25 de Outubro de 1727. _Manoel de Azevedo Soares_. Que se possa imprimir, vistas as licenças do Santo Officio, e Ordinario, e depois de impressa tornará á Meza para se conferir, e taxar, e dar licença que corra sem a qual naõ correrá. Lisboa Occidental 15 de Novembro de 1727. _Pereira. Oliveira. Teixeira. Bonicho_. * * * * * Nec ut credatur omnibus numeris absolutü, aliud praeter nomé Authoris desideratur Augustinus de Castro apud. Sosors. incensur. Emblem. Librorü Judex statim quicunque voluerit erit Rulãd. de cõmisl. 1 p.l 1 c. 13. Ex Dionisio Halicasnas. Rulãd. supr. c. 18. n. 5. _Coronica do muito alto, e esclarecido Principe Dom Diniz sexto Rei de Portugual_. *CAPITULO I* _Como ElRei D. Diniz sendo Ifante, foi levantado por Rei, e obedecido, e das virtudes que teve_. ElRei D. Affonso Conde que foi de Bolonha, faleceo em Lisboa ha vinte dias de Março do anno de mil e duzentos setenta e nove annos, (1279) em idade de setenta annos, como em sua Coronica jáa se dice, e por seu falecimento na mesma Cidade, e tempo foi loguo alevantado, e obedecido por Rei de Portugual, e do Alguarve ho Ifante D. Diniz seu filho legitimo maior, em idade de dezoito annos, avendo nove mezes, que sem ser cazado tinha jáa por ElRei sua caza apartada. Este foi do começo de seu Reinado atée ho fim delle sempre em todos seus feitos mui excellente, e por seu bom nome conhecido, e estimado por tal antre todolos Reis do mundo, que teve em perfeiçam tres virtudes, ha saber verdade, justiça, e nobreza, pelo qual hos homens que has tem, como elle teve, claramente sam avidos de humanos, por divinos, e de mortais por immortais; e porque cada uma destas elle fez com tal temperança, e assi sempre uzou, que em cada huma dellas mereceu de ser, e foi com rezam muito louvado, e na justiça foi o seu primeiro intento, e cuidado, e punições, da qual quiz loguo reparar alguns insultos, e desmandos, que dos tempos de seu padre, e avoo ainda avia no Reino, e principalmente em punir, e castigar ladrões, e malfeitores, que com merces, que dava, e deligencias, que fazia, aos que eram tomados punia com mortes, e grandes escarmentos, e a outros com seu temor, espantou, e desterrou da terra, especialmente hos que em quadrilhas em alguns ermos onde salteavam tomava, assi como na montanha que se diz de Açor, e na serra da Mendigua, e em Alpedris, que por suas culpas, e maleficios receberam em suas pessoas cruas penas, de que davam testemunho has muitas forcas do Reino que delles estavam cheas. Foi Principe de bom saber; porque amou ha justiça sobre todalas cousas, e por esso foi para todos mui justiçoso, e para si sobre todos justiçado, e sua justiça nom era sempre tam severa, que quando alguns casos, e tempos ho requeriam nom misturasse com ella muita misericordia, e piedade. Nunqua delle se achou que dicesse mentira, nem quebra de sua verdade, e defendeo, e favoreceo muito hos lavradores, ha que chamou nervos da terra, e do Reino, e teve grande cuidado dos pobres, e minguados, ha que sempre proveo com suas ajudas, e esmolas, e nas cousas de sua fazenda, e caza foi sobre todos ho mais provido, e solicito, com que deu maravilhoso exemplo, para que em seu Reino todos ho fizesem, por esso se fez Rei de grandes tezouros, porque has gentes do Reino foram tambem em seu tempo mui riquas, e fez muitas leis por bem, e regimento da terra, e todas sem alguma quebra por si sempre guardou, e mandou inteiramente guardar, e foi Principe tam liberal sem algum vicio de prodigo, que por todalas terras elle por sua grande nobreza foi de todos mui celebrado, e lembrado, e por ella muitos Senhores de Nações diversas vinham á sua Corte pelo ver, e elle assi hos honrava, e tratava, e com suas grandes dadivas assi os despedia que da fama, e esperança, com que ha elle vinham, nom se achavaõ enganados, e ha todolos outros Fidalguos, e Senhores Estrangeiros, que por alguns casos tinham de sua ajuda emparo, e soccorro alguma necessidade, elle nunqua em seu Reino lho negou, e ha todos recebia com muita honra, e fez grandes merces. E alguns destes foram ho Ifante D. Joaõ de Castella seu tio irmaõ da Rainha Dona Breatiz sua madre, e de D. Reymaõ de Cardona Daraguam, que desses Reinos de Castella, e Daraguam eram desterrados, e no de Portugual acolhidos, e tambem D. Joaõ Nunes de Lara, Senhor de Bisquaya, que ElRei D. Diniz teve prezo, e depois por grandeza ho soltou, e mandou poer em sua terra com muitas dadivas, e grandes merces que lhe fez, com que honradamente, e com muitos Cavalleiros ho soltou, e mandou poer em sua terra, como aho diante se dirá. Este Rei, porque sempre dezejou de fazer guerra ahos infiéis, e elle nom tinha terra, que jáa fosse de sua conquista trabalhava de lhe fazer continuadamente por maar com armadas, e frotas, que contra hos Mouros Dafriqua, e de Grada sempre trazia, e nunqua se acha que contra elles fizesse paz, nem lhe desse treguoas, e has mais cousas que em sua vida fez por acrescentar e enobrecer seu Reino, no cabo desta sua Coronica bremente ha somarei, porque verdadeiramente se saibaõ. *CAPITULO II* _Como ElRei D. Diniz cazou com Dona Isabel, filha delRei D. Pedro Daraguam, e da Rainha Dona Costança, e de suas grandes virtudes, e santidade_. Sendo ElRei D. Diniz de vinte annos, idade asáas conveniente para casar, foi aconselhado da Rainha Dona Breatiz sua madre, e assi requerido por parte do Reino de Portugual, que cazasse para teer esperança de lhe dar Deos erdeiro legitimo, que ho succedesse, e loguo lhe foi apontado na Ifante Dona Isabel Daraguam, que estava por cazar filha del Rei D. Pedro deste nome ho IV, e dos Reis Daraguam houndecimo, e da Rainha Dona Costança, filha de Manfreu Rei dambas has Cezilias, que fora filho do Emparador Federiquo, ha qual Ifante Dona Isabel por suas muitas bondades, e grande fremosura era nas Cortes dos Reis, e Principes Christãos muito louvada, e por esso se requeria delles grandes, e mui altos cazamentos, no que ElRei D. Pedro seu pai nom podia consentir vencido sóomente de grande affeiçam, que lhe tinha, com que nom podia padecer ha privaçam de sua santa conversaçam, e da graciosa prezença de sua vista, e sendo ElRei D. Diniz por estes respeitos della muito contente, estando em Estremoz no anno de mil duzentos oitenta e hum annos, (1281) avendo dous annos que jáa reinava, ordenou seus Embaixadores, e Procuradores para hirem requerer ha dita Ifante D. Isabel; Joaõ Velho, Vasquo Pires, e Joaõ Martins, homens de seu Concelho, e pessoas acerqua delle, de grande autoridade, e boa estima, hos quaes chegaram á Corte delRei Daraguam, que estava em Barcelona, onde sobre ho mesmo caso se acertaram outros Embaixadores delRei de Frãça, e delRei de Ingraterra, que para cazamentos de seus filhos erdeiros enviavam requerer a dita Ifante. Pelo que ElRei D. Pedro vendo que algumas destes Principes jáa se nom podia escuzar consirando, que com ho filhos delRei de Frãça, e de Ingraterra pelos muito conjunctos dividos de sangue, que com elles tinha, elle sem dispensação Apostoliqua a nom podia dividamente cazar, e que em caso que com cada hum delles cazasse nom saia de sua caza Rainha, mas Ifante, ouve por bem de outorgar, que cazasse com ElRei D. Diniz, porque sem mais longuas esperanças, ella fosse logo Rainha. Pelo qual ho dito Joaõ Velho, que dos sobreditos Procuradores era pessoa para esso especialmente deputada, recebeo ha dita Ifante por molher delRei D. Diniz, e depois de assinarem tempo certo em que avia de ser trazida, hos Embaixadores se tornaram ha Portugual, e porque antre hos grandes guostos, e muitos proveitos das Estorias, ha declaraçam verdadeira das linhagens, e descendencias dos Principes, e Senhores consegue ho mais pequeno, e vejo que hos Istoriquos, que dos Reis, e seus feitos, que eram prezentes escreveram elles, porque semilhantes declarações de gerações serem ha estes tempos rezentes pubriquas, e mui notorias, has calaram, e nom escreveram, e por esso aho diante por ha longura do tempo, e has fraquezas das memorias se cauzam duvidas, e confuzoens, que muito descontentam. Por tanto nom sóomente nom pareceo couza injusta mas mui necessaria declarar algum tanto de mais longe ha geraçam de que esta Rainha Dona Isabel descende, e com que geraçoens Reaes foi liada. Porque he de saber, que ElRei D. Pedro deste nome ho terceiro, e dos Reis Daraguam ho noveno, cazou com ha Rainha Dona Maria, filha de D. Guilhemo de Mompilher de que ouve hum filho, que ho socedeo dito D. James deste nome o primeiro, e dos Reis Daraguam ho decimo, este D. James, como nas Coronicas Daraguam se affirma, foi concebido ha caso, e seu nome posto por milagre, porque ElRei D. Pedro por sua natural condiçam, ou por seu vicio era muito dado ás molheres estranhas, e muito pouquo á Rainha sua molher, ha que por consentimento de hum Camareiro delRei escondida, e mui secretamente se lançou de noite na cama delRei em luguar de huma moça, com que elle tinha affeiçam, e aquella noite concebeo do marido, e conhecida por ElRei, que do caso foi enverguonhado, ella se nom quiz alevantar da cama atée ho outro dia mui claro em que de muitas gentes se fez alli vir conhecer, e daquelle proprio dia de que mandou tornar pubriquos testemunhos ha nove mezes pario hum filho, com que ElRei ouve muito prazer, e por devaçam, e mais segurança de sua vida, mandou loguo offerecer ho menino ha huma Egreja, e encomendallo ha Deos. Preguntando ElRei pelo Officio, ou Psalmos, que se rezevam aho entrar della, foi certifiquado, que a este tempo hos Sacerdotes cantavam _Te Deum laudamus_, e daquella primeira Egreja ho mandou levar ha outra segunda, onde pela mesma maneira soube, que aho entrar della com ho menino se dizia _Benedictus Dominus Deus Israel_, e sendo ambos pai, e mãi em consulta do nome, que lhe poriam, ha Rainha sua madre dice, que sua vontade, e devaçam era parindo filho, que ouvesse ho nome de cada hum dos doze Apostolos, e para esso mandou loguo fazer doze cadeas de cera por igual medida, e pezo, e em cada hua hum escrito, e em cada hum escrito ho nome de cada hu dos doze Apostolos, e com ellas juntas, e ha hum proprio momento acezas mandou dizer huma Missa solene do Espirito Santo, e no cabo della has candèas todas arderam, salvo ha que em nome de San-Tiaguo foi posta, que fiquou mais inteira, e por esso no seu nome de James, foi loguo cazado com ha Rainha Dona Lionor, filha delRei D. Affonso deste nome ho noveno de Castella, irmãa da Rainha Dona Orraqua de Portugual, de que ouve hum filho D. Affonso, que faleceo, e foram ambos depois pela Egreja apartados, e depois elle cazou com ha Rainha Dona Violante, filha que foi de D. André Rei Dumgria, de que ouve estes filhos ha saber: D. Pedro, que apoz elle Reinou em Araguam, e D. James, que foi Rei de Malhorqua, e Menorqua, e D. Sancho que foi Arcebispo de Toledo, e foi morto em huma batalha em Andaluzia, que ouve com hos Mouros, e Dona Costança, que foi cazada com ho Ifante D. Manoel de Castella avoo da Ifante D. Costança, molher, que foi delRei D. Pedro de Portugual, e D. Violante, que cazou com ElRei D. Affonso ho decimo de Castella, avoo delRei D. Diniz de Portugual, e Dona Isabel, que cazou com D. Filippe Rei de França, filho e erdeiro delRei S. Luís. E este Rei D. James foi ho que tomou segunda vez Valença Daraguam ahos Mouros por cerquo, e força, porque da primeira vez, que por ho Cide Ruy Dias foi tomada, elles Mouros no proprio tempo de sua morte ha tornaram ha cobrar, e atée este Rei ha tiveram. E este Rei D. James depois de muito velho, e nom podendo jáa sofrer ho pezo, e carreguo do regimento de seu Reino fez alevãtar, e obedecer por Rei aho Ifante D. Pedro seu filho, e elle meteose Monge no Moesteiro de Santa Cruz, de Monges branquos, onde jáas sepultado. Este Rei D. Pedro seu filho deste nome ho quarto, e dos Reis Daraguam ho onzeno, contra vontade de seu pai cazou cõ Dona Costança, filha delRei Manfreu, que foi dambas as Cezilias, filho bastardo de Federiquo II Emparador Dalamanha, e Rei de Cezilia, e de Napoles, que foi Erege, e máo homem, e cruel, e perseguidor da Egreja, assi como fora seu avoo, ho outro Federiquo, que diceraõ Barbarroxa, ho qual Emparador Federiquo II, sendo doente em Fruelmela Luguar do Reino Dapulha por consentimento de hum seu Camareiro foi afoguado, e morto por este seu filho Manfreu, que se chamava Principe de Tarento, para loguo aver como ouve, seus tezouros, que eram mai grandes, e esta abominavel maldade fez por tal que em algum testamento, que o pai podera fazer, nom despozesse de suas riquezas ho contrairo do que dezejava. E deste Emparador fiquou hum filho legitimo, que chamavam Conrado, que era em Alemanha, e vindo para Nopeles de Cezilia, que direitamente lhe pertencia tambem Manfreu seu irmaõ em hum pastel ho fez matar com peçonha, e deste Conrado fiquára hum filho menino erdeiro dito Conradino, que em mistura de certos prezentes, e joias tambem seu tio ho quizera matar cõ peçonha, mas ha Rainha mãi do menino como mui prudente, e receosa das manhas de Manfreu aprezentou em luguar do filho outro menino em tudo conforme, que por elle loguo morreo, ho qual Manfreu por morte de Conrado seu irmaõ com has muitas riquezas, que tinha occupou loguo, e ouve o Reino de Cezilia, que sendo sobre esso pelo Papa Alexandre escommunguado, e perseguido com exercito para que deixasse ho Reino, elle por sua ajuda meteo em Italia muitos Mouros de Tunes, e Dafriqua cõ que desbaratou ha gente do Papa, e fez em Italia grandes destroições, e levou della grandes despojos. Pelo qual ho Papa Urbano IV, enviou em França chamar ha Carlo irmaõ delRei S. Luis ha quem fez Alferes da Egreja, e lhe deu hos Reinos de Napoles, e de Cezilia, porque os cobrasse de Manfreu, que tiranamente hos usurpava, e Carlo ajuntou muita gente, e com ajuda do Papa ouve batalha com Manfreu junto de Benavente em Italia onde ho dito Manfreu foi morto, de que hos Reinos de Cezilia, e de Napoles fiquaram loguo pacifiquos ha Carlo, especialmente, que depois da morte de Manfreu tambem Carlo matou em outra batalha ho Conradino neto de Federiquo, ho que Manfreu quizera nas joias matar, porque com grande exercito veo contra Carlo para cobrar hos Reinos que dizia lhe pertencerem de direito, e na contenda foi morto, e sendo Carlo nessa posse dambos hos Reinos sobreveo, que por quãto hos Francezes tratavaõ has gentes de Cezilia com inhumanos roubos, e cruezas, e desprezos, desonestidades, dissoluções: elles todos de que ha Cidade de Palermo, foi ho principio, indinados contra hos Francezes sendo jáa para esso secretamente exortados, e favorecidos delRei D. Pedro Daraguam, em hum dia hos mataram todos, e para vinguança desta rebeliam, e mortindade dos seus, ElRei Carlo, que nom era em Cezilia ajudado de grandes potencias veo ha Cezillia, e cerquou estreitamente ha Cidade de Mecina, que loguo com has outras Cidades da Ilha enviaram pedir soccorro aho dito Rei D. Pedro, ha quem pediam amparo, e ajuda, e por esso lhe offereceram ha entregua do Reino, que diziam lhe pertencer direitamente pela Rainha D. Costança sua molher, filha do dito Rei Manfreu, de que nom fiquara outro erdeiro legitimo, que o socedesse. Por cujas preces, e requerimentos, commovido ElRei, D. Pedro, principalmente por cobrar o Reino de Cezilia, que lhofereciaõ, elle com grandes frotas veo loguo ha Palermo onde recebeo ha obediencia, e Coroa do Reino, e dahi ordenou loguo descerquar Mecina em cuja perda se ha perdesse, toda Cezilia se perdia, primeiro mandou requerer ha ElRei Carlo, que se partisse, e lhe deixasse seu Reino, que por sua molher direitamente lhe pertencia, ho que Carlo desprezou, como ha Embaixada, e requerimento de grande soberba, e porém com medo delRei D. Pedro, que pelo maar, era muito mais poderoso, receoso de lhe colher hos mantimentos para seu exercito, deixou ho cerquo de Macina, e se foi ha Calabria, e dahi mandou chamar ha Carlo Principe de Salerno, seu filho que era em França, ho qual com grande poder se ajuntou com seu pai em Roma, onde se queixaram delRei D. Pedro aho Papa Martinho IV da força, e danos de Cezilia feitos contra direito, dizendo que Carlo por armas, e em campo lhe faria conhecer seu erro, e tirania. Ha quem ElRei D. Pedro com escuzas coradas das couzas passadas se mandou defender em Roma por seus Embaixadores, hos quaes por guanharem tempo, e escuzarem ha ida dos Francezes sobre Cezilia, porque estavam muito poderosos concordáram em nome delRei D. Pedro por juramentos solenes, que ha contenda desse Reino se partisse por desafio dambos hos Reis em pessoas, e com cem Cavalleiros cada hum sôomente, e que fosse em Bordeos, que ha esse tempo era delRei Dingraterra, e que aho Rei vencedor fiquasse livremente, e sem contradiçam ho dito Reino de Cezilia, do que ElRei Carlo foi mui contente, para concordarem ho desafio, e ElRei D. Pedro deixou Guovernador, e como Rei de Cezilia ElRei D. James seu filho, e veose Araguam, e Carlo para regimento, e defençam deixou tambem seu filho Carlo Principe de Salerno, e passou em França, para cada hum com suas valias, que levavam por segurança do campo irem comprir ho desafio para que era assinado dia certo no mez de Junho, ho qual dia Carlo pareceo em Bordeos com hos seus Cavalleiros armados, deixando a huma jornada ElRei Felippe de França cõ grande seu exercito por segurador. Mas ElRei D. Pedro nom pareceo pubriquo em Bordeos, e porém se diz, que por nom quebrar ho juramento que fizera, se mostrou ahi a alguns em secreto, e que de como parecera tomou por sua escuza estormentos, se volveo ha seu Reino com grande pressa, e por este enguano de que ElRei de França, e Carlo seu tio, e ho Papa juntamente foram muito escandalisados, ho Papa escommungou ElRei D. Pedro, e deu contra elle Cruzada, e concedeo o Reino Daraguam com grande solenidade, e com grande doaçam ha Felippe Conde de Valois, segundo genito delRei Felippe de França, que cazou com huma neta delRei D. Carlo seu tio Principe de Salerno. E neste tempo antes de se executar ha Cruzada contra ElRei D. Pedro, hum Rogerio Delora, Almirante delRei D. Pedro com grande frota se foi á vista de Napoles, onde Carlo filho delRei Carlo fiquara por Guovernador, ho qual por seu mui riquo sangue de que descendia nom podendo sofrer has muitas injurias que do Almirante Daraguam em sua pessoa recebera, guiado mais do favor de seu esforço, que do verdadeiro sizo, nem dos preceitos de seu pai, que nom guardou, sahio com sua frota, que tambem consiguo tinha, e pelejou no maar com ho Almirante, ho qual por ser de si mesmo tam afouto, e nas pelejas do maar mui afortunado venceo, e prendeo Carlo com muitos homens de sua companhia, e prezo com hos seus, loguo foram levados ha Cezilia, e postos em carcere em Mecina. Aho qual infortunio de Carlo, ElRei Carlo seu pai querendo proverse se foi ha Guaieta, e porque com effeito nom podia seu dezejo satisfazer, de nojo adoeceo, e segundo se diz morreu de tristeza, pelo qual hos de Mecina, porque eram por este caso apertados pelo Papa com grandes escõmunhões, e antreditos sabendo ha morte delRei Carlo por mais sua vinguança se foram ahos carceres, onde estavam hos Francezes para hos matarem, e porque hos prezos eram homens, e bons Cavalleiros se poseram em defençam, e resistencia, e foram dos Cezilianos nos mesmos carceres mortos sem piedade, e queimados, e assi quizeram fazer aho Principe Carlo, se ha Rainha Dona Costança molher delRei D. Pedro, que ha esse tempo era em Cezilia lhe nom valera, porque estranhou fazerse tam crua justiça, sem mandado, nem autoridade delRei D. Pedro seu marido, dalli concordaram, que Carlo fosse levado prezo, como foi a Araguam, onde era, e avendo quatro annos, que ho dito Carlo era prezo depois da morte delRei D. Pedro, Reinando em Araguam ElRei D. Affonso seu filho, foi por meio delRei D. Duarte Dingraterra solto sobre ha refens, que Carlo deu de tres filhos seus legitimos, e sinquoenta Cavalleiros nobres do Condado de Proença, e pelas despezas trinta marquos de prata, com condiçaõ, que elle renunciase ho direito que tinha em Cezilia, e fizesse renunciar ha Carlo de Valois ho direito que ho Papa lhe dera em Araguam. E por esto, e por cazamentos que depois antre elles se fizeram fiquou ahos Reis Daraguam ho direito no Reino de Cezilia; como quer que sobre esta mesma contenda antes de se fazer ha mesma concordia ElRei Felippe de França, e este Rei D. Pedro Daraguam faleceram ambos sobre ho cerquo de Girona, ha saber, ElRei de França por doença, e ElRei D. Pedro por dezemparo, e treição dos seus, foi morto ha ferro, como nas Coronicas de Frãça, e Daraguam mais larguamente se decrara. E deste Rei D. Pedro Daraguam, e da Rainha Dona Costança sua molher fiquaram estes filhos, ha saber D. Affonso filho primeiro ha que disseraõ ho Casto, que apoz este Reinou, e sem cazar morreo Frade no abito de S. Francisquo, e D. James ha que fiquou ho Reino de Cezilia, depois que elle foi Rei Daraguam, e Dona Violante, que depois cazou com ElRei Carlo, irmam de S. Luis Bispo de Toloza, e Dona Isabel molher delRei D. Diniz de Portugual. E tornando ho processo aho fio de seu cazamento, que atraaz leixeei aho tempo, que este cazamento se fez em Araguam, eram grandes guerras, e differenças em Castella, antre ElRei D. Affonso ho decimo e ho Ifante D. Sancho, seu filho, cuja parte ElRei D. Pedro Daraguam favorecia, e siguia, e por este caso receando enviar sua filha por terra ha seu marido ElRei D. Diniz, ordenava que viesse por maar, mas por outros pejos que da vinda do maar se offereciam, ordenou de toda via vir por terra, e em sua companhia enviou ho Bispo de Valença, e muitos outros Cavalleiros dos milhores de sua terra, e lhe deu mui riquas joias douro, e de pedraria, e grande baixella de prata, e com ella veo tambem ElRei seu padre atée ho estremo de Castella, onde ante de se espedirem falaram ambos apartados por grande espaço, e em se espedindo ElRei della, elle com olhos cheos de mui saudosas lagrimas lhe dice. _Filha, Deos que te chamou pera este cazamento, e lhe prouve que de minha caza saisses Rainha, elle neste caminho te queira guardar, pera que nom recebas pejo, nem dano algum, e Deos que na terra onde nasceste te amou, e quis que de todos sempre fosses amada, enderessa tua vida, e teus feitos nessa pera onde vaaz de maneira que sempre faças couzas de seu santo serviço, e te dèe sempre avença, e boa concordia com teu marido_. E com esto soltando-a dos braços com que ha teve apertada, chorando lhe deitou ha bençam de Deos, e ha sua, e assi se despedio della com sinaes de muito saudoso, e como entrou em Castella, veo ha recebella aho caminho, ho dito Ifante D. Sancho, seu primo com irmão, porque fora filho da Rainha Dona Violante molher delRei D. Affonso de Castella, que era mãa delRei D. Pedro Daraguam, e do dito Ifante D. Sancho de que ha Rainha Dona Isabel, e todolos de sua companhia receberam muita honra, e boom trato, e ho Ifante lhe dice: _Senhora ElRei vosso padre meu tio, em minhas necessidades me fez sempre tanto favor, e me deu tam grandes ajudas, que por esso, e principalmente por quem vós sois, eu com boa vontade atèe Portugual fora com vosquo, mas por estas guerras em que ando, que hee necessario que sempre proveja com minha pessoa, ho nom posso aguora fazer, e peço-vos que desta culpa me releveis, e sabei que pera has cousas de vossa honra, e serviço sempre me achareis deligente, e muito aguardecido, mas eu enviarei com vosquo ho Ifante D. Jarnes meu irmaõ, que vos acompanhe_. E assi proseguiram sua viagem atée cheguarem ha Braguança, onde sua entrada fora concordada, e alli eram jáa, que esperavam por ella ho Ifante D. Affonso, irmaõ legitimo delRei D. Diniz, e ho Conde D. Guonçalo, cazado com Dona Lionor, tambem sua irmãa, filha bastarda delRei D. Affonso Conde de Bolonha, e assi outros Perlados, e riquos homens do Reino de Potugual, e dalli se despedio delia ho Ifante D. James, e se tornou pera Castella, e ho Ifante D. Affonso, e hos Perlados, e Senhores de Portugual trouxerao ha Rainha ha Tranquozo, onde veo ElRei D. Diniz, e ha recebeo em pessoa, e depois de feitas suas benções ordenadas pela Egreja, fizeram alli vodas com mui grandes festas, e com mui grandes alegrias no mez Daguosto do anno de mil duzentos oitenta e dous annos,(1282.) pera ho que no campo de Tranquozo se fizeram grandes, e custozas cazas, e ElRei se partio dalli com ella, e lhe ordenou loguo caza, e deu seus officiaes, terras, e assentamento segundo ha sua honra, e estado compria. E esta Rainha Dona Isabel posto que por obediencia, e mandado delRei seu padre, e por necessidade de bem, e paz destes Reinos, fosse corporalmente cazada com ElRei D. Diniz ha que tinha grande amor, ella porém com todalas obras, e sinaes de mui Santa, nom leixava espiritualmente de ser cazada com Deos, ha quem com tanta abstinencia, e continuas orações sempre servia, e contemplava como sempre fizera, sendo donzella em caza delRei Daraguam seu padre, porque sendo cazada, por hum Breviairo por devoto costume, tinha por seu desenfadamento mais familiar, em todolos dias rezava todolas oras Canonicas, e depois desso tomava outros livros de couzas espirituaes, e devotas, e por elles lendo retraida muitas vezes com muitas lagrimas de devaçam ha viram chorar, e depois deste virtuoso officio, que cada dia ordenadamente tinha, por nom estar ocioza custumava por suas mãos lavrar, e fazer cousas douro, seda, e prata, e sobresso com suas donas, e donzellas praticava sempre em cousas devotas, e onestas, e porque sua fée fosse por obras mais prefeita, e de moormerecimento, ella ha moor parte de suas rendas dava secretamente ha pessoas miseraveis em que sabia, que avia verguonhozas necessidades, e ha estas era tam liberal, e piedoza, e com tam limpo coração, e tam graciozo rosto lhe dava ho seu, que por ella mui verdadeiramente se dizia, que das viuvas, e orfans era piiedoza madre; e ella foi sempre em todas suas averssidades, e descontentamentos, que lhe socediam, mui armada de paciencia, porque nella nunqua foi conhecida ira, nem sanha, huma ora mais que outra, e has vinguanças, que tomava dos males, e descontentamentos que dalguem recebia, eram graciosos perdões sem querer tomar per si, nem por outrem alguma outra emenda. Era em suas palavras mui mansa, e em suas obras mui conforme ha toda humildade, sem algum alevantamento de soberba, de maneira, que a graça do Espirito Santo, de que era aceza de todo, causava em sua alma hum louvado assosseguo, e grande devaçam, com que hos dias que ha Egreja mandava guardar ella sem quebra dalgum hos jejuava todos ha conduto, sem comer mais que huma sóo vez, e alem desso fazia jejuns de paõ, e aguoa todalas sestas feiras do anno, e Vesperas dos dias de N. Senhora, e sobresso em toda huma quarentena, que vem em cada hum anno de S. Joaõ Baptista, atèe Sãta Maria Dagosto, e atèe ho S. Miguel, e outra quoresma dos Anjos, que hee des ho dia de N. Senhora Dagosto, e assi de dia de todolos Santos atée Vespera de Natal nom comia, nem bebia se nom paõ, e aguoa huma sóo vez no dia, de maneira que fazia este tam aspero jejum has duas partes do anno, e assi teve outras muitas, e mui singulares virtudes, com que pareceo que venceo suas forças humanas, e por ellas aprouve ha N. Senhor fazer em sua vida muitos milagres, e depois de sua morte muitos mais, e dos de sua vida segundo achei por inquirições de testemunhas dinas de fée, e mui autorizadas foi, que em Lisboa ha veo ver huma dona do Moesteiro Dodivelas, que por huma apostemaçam, e inchaço que tinha no estamago, era muito doente, e desposta ha morte, e ha Rainha aho espedir della lha vio, e benzeo com ho sinal da Cruz com que no Moesteiro se achou loguo assi sam, como se daquelle mál nunqua fora toquada. E porque esta dona ha todos ho proviquava por milagre, ha Rainha ha mandou chamar, e reprendeo-à, e lhe mandou, que mais ho nom dicesse, porque se algum bem recebera nom fora de sua maõ, nem della, que era peccadora, mas sóo da virtude de Deos, que ho louvasse. E esta Rainha por sinal da sua humildade custumava em todas has sestas feiras da quoresma lavar por si hos pées ha doze homens, hos mais leprozos, que se podiaõ achar, e esto fazia assi secretamente que ElRei particularmente ho nom soubesse, e estando em Santarem depois, que hum dia fez este lavatorio, mandou dar bem de comer ahos pobres, como sempre fazia, e em se elles saindo escuzos do Paço acertouse, que hum porteiro com sanha deu ha hum cuidando que era outro homem, tal golpe na cabeça de que loguo cahio em terra asaaz ferido, e huma dona, que esto vio, recolheo ho pobre em sua caza onde loguo ha Rainha ho foi ver, e depois de ho curar por sua mam, e lhe dar dinheiro pera sua despeza se despedio, e aho outro dia que mandou saber de sua disposiçam acharaõ no de todo saõ. E na Semana Santa, na Quinta feira de Lava pées, em lavando ha treze molheres pobres enverguonhadas, huma dellas acertou, que tinha hum pée comesto de pragua, e dous dedos afistolados, que estavam para cair, depois que ha Rainha lhe lavou ho são, ella escondia ho doente, e escuzandose por seu mal de ho querer mostrar, forçada dos roguos, e despejos da Rainha, lho mostrou, e nom sóomente lho lavou mansamente, mas humildosamente lho beijou na propria chagua, e depois que ha todos deu de comer, e vestir, como tinha por costume, em se saindo do Paço aquella molher doente indo na companhia das outras se achou de todo sam. E huma Orraqua Vasques molher da Rainha, era de muitos tempos doente de tal dor, que cahia amortecida, e com tormentos, que lhe davaõ escassamente, e com difficuldade ha faziam retornar à vida, e sabendo ha Rainha, que has muitas meizinhas, e remedios dos Fisiquos lhe nom aproveitavam, ella no dia de sua paixam ha benzeo cõ ho sinal da Cruz, e aprouve ha Deos, que loguo acordou, e depois foi sempre em sua vida livre de taes acidentes. Estando ha Rainha era Alamquer muito doente de humores frios pera que hos Fisiquos por meizinha lhe mandavam beber vinho no puquaro porque bebia, ella ho nom quiz fazer, trazendolhe aguoa pera ella beber milagrosamente se tornou duas vezes vinho no puquaro porque bebia. Estes, e outros milagres muitos se achaõ, que N. Senhor pelos merecimentos desta Santa Rainha fez em soa vida, e muitos mais depois de sua morte, de que aho diante por sua devaçam, e louvor darei alguma particular, e breve conta. *CAPITULO III* _Do fundamento, e cousas, que ouve pera ElRei D. Diniz aver alguas Villas, e Castellos de riba Dodiana, que foraõ de Castella_. Aho tempo que ElRei D. Affonso Conde de Bolonha faleceo, e depois em alguns primeiros annos do Reinado delRei D. Diniz, ElRei D. Affonso de Castella, seu avoo atée hos derradeiros dias de sua vida, sempre foi perseguido de grandes guerras, e muitas necessidades, causadas pela errada desobediencia, e desleal alevantamento, que o Ifante D. Sãcho seu filho, e hos do Reino de Castella, e de Liam contra elle usavam, pelo qual ha Rainha D. Breatiz sua filha, como Rainha virtuosa, e aguardecida filha mui piedosa, e por lhe paguar em alguma maneira has dividas, que por obriguaçam Divina, e humana lhe devia, loguo como ElRei D. Diniz seu filho foi cazado, foi ha ElRei D. Affonso seu pai, que estava em Sevilha, pera em tantas suas aversidades, e infortunios, como padecia, ella ho soccorrer, e confortar, e aconselhar, sem o nunqua leixar atée ora da morte delRei, ha que ella foi prezente, e cuja testementeira principal com outro fiquou, e porque ella lhe soccorreo com todo ho dinheiro de sua fazenda, e com todolas joias de sua pessoa, e com todalas rendas, e gentes, que tinha, e podia aver de Portugual, pelo qual neste meio ElRei D. Affonso pelo grande amor, que tinha á Rainha sua filha, como jáa dice, e por lhe satisfazer has boas obras, que della recebera fez ha ella especial doaçam da Villa de Niebla, que hee em Andaluzia ha que chamam Reino, com todolos Castellos, e rendas que ha ella pertencem, e assi lhe fez mais doaçam das Villas de Serpa, Moura, e Mouram, Noudar, que saõ em riba Dodiana, por carta que foi dada em Sevilha quinta feira quatro dias de Março do anno de mil duzentos trinta e tres annos. (1233) E porque Moura, e Serpa, e Mouram eraõ da Ordem do Esprital de S. Joaõ de Castella ho dito Rei D. Affonso pera milhor, e mais livremente poder dar has ditas Villas á dita Rainha sua filha, por serem conjuntas aho dito Reino de Portugual ante algum tempo, que se fizesse ha dita doaçam elle por autoridade, que se ouve do Gram Mestre, e por consentimento do Prior, e Freires da dita Ordem em Castella fez com elles escaibo das ditas Villas pera lhe fiquarem livres, e por ellas deu em Castella pera fiquarem á dita Ordem pera sempre Touro, e ha Egreja de Santa Maria da Veiga, e hos direitos de Cairola e has Martineguas, e direitos de Guaronha, e de Feerne, e de Paralyves, com outros Luguares, e outras muitas rendas, e direitos, que saõ expressamente decrarados, ho qual escaibo ante da doaçam se fez por carta feita em Santo Estevam de Guormas, terça feira onze dias de Março de mil duzentos oitenta e hum annos (1281) sobescrita por Guarda de Toledo, Secratairo, ha qual doaçam destas Villas ElRei D. Affonso antes tres annos, que falecesse, fez á Rainha Dona Breatiz sua filha. Depois da morte delRei D. Affonso Conde de Bolonha seu marido, em Reinãdo ElRei D. Diniz, como atraas dice, e por virtude destas doações ElRei D. Diniz tinha aquerido ho direito destas Villas, que por El Rei D. Sancho de Castella seu tio, e por ElRei D. Fernando seu filho lhe foram empedidas, e embarguadas, como aho diante direi. *CAPITULO IV* _Dos filhos legitimos, que ElRei D. Diniz ouve da Rainha D. Isabel, e assi doutros bastardos_. ElRei D. Diniz sendo cazado com muito amor, e concordia com ha Rainha D. Isabel, ouve della estes filhos, ha saber, ha Rainha Dona Costança molher que foi delRei D. Fernando deste nome ho Terceiro de Castella, de que aho diante direi, e ho Ifante D. Affonso filho erdeiro delRei D. Diniz, que apoz elle Reinou, ho qual nasceo em Coimbra ha oito dias do mez de Fevereiro de mil duzentos e noventa, (1290) de que aho diante em sua propria Coronica farei inteira decraraçam. E alem destes filhos legitimos, ElRei D. Diniz sendo cazado, ouve doutras molheres com que teve afeiçam sete filhos, e filhas bastardos, cada hum dos quaes foi filho de huma madre, ha saber D. Affonso Sanches, que se chamou Dalbuquerque, ha que ElRei D. Diniz quiz grande bem, e por quem o Ifante D. Affonso foi com seu pai em grandes desvairos, como aho diante direi, e D. Pedro que foi depois cazado com Dona Branqua, filha de Pedre Annes de Portel, filho de D. Joaõ de Boim, e de Dona Costança Mendes, filha de D. Mem Guarcia de Souza, e outro D. Pedro, que depois foi Conde em Portugual, este foi ho que fez ho livro das linhagens Despanha, e foi singular homem, e D. Joaõ Affonso, e D. Fernam Sanches, e Dona Maria, que cazou com D. Joaõ de Lacerda, e outra Dona Maria, que foi Monia no Moesteiro Dodivellas. Hos quais filhos bastardos ElRei D. Diniz assi ouve, vencido da sobeja deleitaçam de sua propria carne, com que afastandose da Rainha sua molher nom lhe guardando ha inteira lei do matrimonio, seguia por indusimentos falsos, e máos, ha que se inclinava mais por sua vontade, do que sua dinidade Real, e por sua consciencia, e onestidade, sobresso devia, e por culpa, e peccado desso se diz, que em quanto ElRei D. Diniz se deu ha estes apetitos nom licitos, sempre decrinaram has cousas da justiça, que muito amou, e boa guovernança de sua caza, e fazenda, que sobre todos soia melhor ter, e ha Rainha posto, que neste tempo era em idade, e feições, e desposiçam pera ElRei se della muito contentar, e ella dever sentir hos taes apartamentos, e solturas delRei, porém se diz, que ella nom mostrava receber por esso paixam, nem escandalo algum, antes como esquecida, e nom toquada de dores, e paixões tam comuas ha molheres, nom perdia ha devaçam, e exercicio de rezar, e encomendarse ha Deos, e de partir alegremente com suas molheres em cousas honestas, e de serviço de Deos, e sobre esto fazia ho que parecia mais duro, e menos pera fazer, que era dar de vestir às amas, que criavam hos taes filhos delRei, e fazer, e procurar merces ahos aios, que hos ensinavam. E estas virtudes pera outras molheres nom costumadas, vendo-as fazer tam sem paixam á Rainha sendo mui moça, cauzavam ha todas mui grande maravilha, mas ElRei D. Diniz averguonhado destas suas fraquezas, e temendo ha Deos pór emenda de sua justiça, e assi por apaguar nodas, que tanto danavam ha limpeza de sua Real dinidade, e singular condiçam se apartou dellas inteiramente, e com grande serenidade se privou de todos estes defeitos, e se poz no direito, e verdadeiro caminho, que devia, e sempre atée sua morte ho seguio, e guardou. *CAPITULO V* _Do desacordo, que ouve antre ElRei D. Diniz, e ho Ifante D. Affonso seu irmaõ_. ElRei D. Diniz tinha hum irmaõ lidimo ho Ifante D. Affonso, filhos ambos delRei D. Affonso Conde de Bolonha, e da Rainha Dona Breatiz, e ha este Ifante D. Affonso fez ElRei seu pai doaçam mui solene das Villas de Portalegre, e Marvam; e de Castello Davide, e Darronches, pera elle, e seus filhos lidimos, ho qual Ifante em vida delRei seu padre, foi cazado com ha Ifante Dona Violante, filha do Ifante D. Manuel, filho delRei D. Fernando II de Castella, e da Ifante Dona Costança, filha do primeiro D. James Rei Daraguam, e ouve della hum filho D. Affonso, que foi senhor de Leiria, e faleceo sem filhos, e ouve mais tres filhas, Dona Isabel, e Dona Costança, e Dona Maria, que todas cazaram grandemente em Castella, ha saber Dona Isabel cazou com D. Joaõ ho torto, filho do Ifante D. Joaõ, que se chamou Rei de Liam, que morreo na Veigua de Grada, e de Dona Maria sua molher, filha do Conde D. Lopo, senhor do Bisquaia, e Dona Costança cazou com D. Nuno Guonçalves de Lara, filho de D. Joaõ Nunes de Lara, ha que diceram ho Bom. Estes nom ouveram filhos, e Dona Maria cazou com D. Tello, filho do Ifante D. Affonso de Molina irmaõ da Rainha Dona Maria molher delRei D. Sancho, e ouveram Dona Isabel, que cazou com D. Joaõ Affonso Dalbuquerque neto delRei D. Diniz, filho de Affonso Sanches, seu filho bastardo. E avendo jáa sinquo annos, que ElRei D. Diniz era cazado, e sete que Reinava, ouve grande desacordo antre elle, e ho Ifante D. Affonso seu irmaõ, e ha cauza principal, era porque ElRei D. Diniz nom queria, nem nunqua quiz legitimar, e abilitar has filhas do Ifante D. Affonso pera erdarem suas Villas, e Castellos de Portugual depois de sua morte, sobre que ha Rainha Dona Isabel molher delRei D. Diniz, e ho Ifante D. Affonso seu filho erdeiro, sendo ha esso ambos conformes fizeram solenes protestações, e requerimetos pera esta abilitaçam, e legitimaçaõ nunqua se fazer por ElRei, nem pelo Papa, aleguando muitos inconvenientes se se fizesse, e ouvesse efeito, e ho principal era ha grande deminuiçam, e perda que seria do Reino, e Coroa de Portugual se has sobreditas Villas, e Castellos, estando no estremo de Portugual, passassem com suas filhas do Ifante, que eram cazadas com homens grandes, e poderosos de Castella, e ainda se diz, que avia receo do Ifante, que pubriquamente dizia, que ho Reino de Portugual lhe pertencia, porque nacera lidimo depois da morte da Condeça de Bolonha primeira molher delRei seu padre, e que ElRei D. Diniz ainda nacera em sua vida della, e nom podia erdar, mas com este defeito era jáa despensado pelo Papa, como na Coronica delRei D. Affonso, Conde de Bolonha jáa dice. E por esta deneguaçam em que ElRei D. Diniz se afirmou, ou por outra qualquer couza, o Ifante seu irmaõ nas cousas da paz, e da guerra lhe nom obedecia com has ditas Fortalezas assi como ElRei queria, e ho Ifante devia, pello qual ouve guerra antre ambos na era de mil duzentos noventa e sete, (1297) e ho Ifante D. Affonso com ajuda, e favor que seus genros com suas pessoas, e gentes de Castella lhe davam, fazia muito dano em Portugual, especialmente, que neste tempo Regnando jáa em Castella D. Sancho, filho delRei D. Affonso ho decimo, elle matou em Alfaro D. Lopo Conde, e senhor de Biscaya, e D. Dioguo Lopes de Campos, que eram pessoas mui principaes, e prendeo ho Ifante D. Johaõ, seu irmãao, cujo filho era D. Johaõ ho torto, cazado com D. Isabel, filha deste Ifante D. Affonso de Portugual, e pella morte destes senhores, e prizaõ do Ifante D. Johaõ, ouve contra ho dito Rei D. Sancho grandes guerras em Castella. E durando ellas ElRei D. Diniz, e ElRei D. Sancho teveram vistas em que por bem, e maior assesseguo de seus Regnos, concordaram cazamentos de seus filhos, que eram pequenos ha saber, que ho Ifante D. Affonso, filho maior delRei D. Diniz, cazasse com ha Ifante D. Breatiz, filha delRei D. Sancho, como depois cazou, e que ho Ifante D. Fernando, filho maior delRei D. Sancho cazasse com ha Ifante D. Costança, filha delRei D. Diniz; e sobre este concerto, que ha tempo certo se avia de fazer, e comprir com effeito como estes Principes, e Ifante fossem em idade, hos Rexs se tornaraõ ha seus Regnos, e hos genros do Ifante D. Affonso de Portugual, e suas gentes, que desobedeciam ha ElRei de Castella, se acolheram nos seus Castellos de Portugual, onde has terras, que eram de ElRei de Castella faziam muito dano. E porque ElRei D. Diniz era sobrinho delRei D. Sancho, irmaaõ de sua mãi ha Rainha D. Breatiz, e por pazes de cazamentos, estavam mui concordes, e amiguos, ho dito Rei de Castella enviou notifiquar estes danos, e guerra, que das Villas, e Castellos de Portugual seus naturaes lhe faziam, pedindolhe que ho passado quizesse castiguar, e ho futuro mais contra elle nom se fizesse, e se nom lhe desse loguar, que em seu Regno entraasse, e que elle com suas forças ho emendaria. Aho que ElRei D. Diniz respondeo, que de semehantes cousas lhe pezava muito, e que fosse certo que nom eram feitas por seu consentimento, e prazer, mas que loguo sem ser necessaria sua entrada, proveria como se mais contra elle nom fezesse. Pello qual ElRei D. Diniz encomendou, e mandou aho Ifante seu irmaaõ, que nom fezesse, nem consentisse que aho dito Rei D. Sancho, nem a suas terras, e vassallos, se fezesse guerra, nem dano das ditas Villas, e Castellos de Portugual, dos quaes elle era obriguado fazer guerra, e manter paaz, segundo elle lhe mandasse. Ha que ho Ifante D. Affonso nom quiz inteiramente obedecer assi por respeito de seus genros, ha que satisfazia, e aquolhia, como pella deneguaçam da legitimaçam de suas filhas, do que se mostrava muito agravado, dando por sua escuza ha nom ovedecer com hos Castellos contra sua vontade, que elle pellas cousas, e preroguativas de suas doações feitas por ElRei D. Affonso seu pai, era de semelhante obriguaçam, e serviço relevado. Pello que ElRei D. Diniz no anno de mil duzentos noventa e nove annos (1299) ajuntou suas gentes, e mandou loguo cerquar Arronhes, e Marvam, e ha elle Ifante seu irmaõ, cerquou em Portalegre, e porque ha este tempo Castella Davide, que era tambem do Ifante, era termo de Marvam, e Luguar entam mais cham que forte, por esso se nom cerquou, e durando este cerquo, em que de huma parte, e da outra, em ambos hos Regnos se fez danos asaas, entrevieram ha concerto delRei, e do Ifante ambos irmaaõs, hos Perlados, e Senhores principaes do Regno, e sobre todos ha Rainha D. Isabel, por cujo virtuoso meio ho Ifante D. Affonso entreguou has Villas, e Castellos ha Aires Cabral, que hos teve em fieldade, e com menagem atée que por elles deram aho dito Ifante has Villas de Sintra, e Dourem, com outros Luguares chãos na Comarqua de Lixboa, e antre has outras muitas, e mui singulares virtudes, que ouve na Rainha Dona Isabel em quanto viveo, foi procurar sempre paaz, e amizade de que se ella prezou muito, porque assi ho fazia antre ElRei, e seus vassallos, de que tirava todolos dias, e escandalos, e assi antre outro quaesquer particulares do Regno, e se por bem das semelhantes concordias compria pagua de dinheiro pera emenda dalgumas perdas, e danos ha que has partes por algum caso nom podiam comprir, ella porque amizade se nom desfezesse, de seu proprio tesouro has mandava, de maneira, que has certas bolsas de seu dinheiro nunqua foraõ arquas, nem cofres, mas hos ventres, vestidos, e necessidades dos pobres, e cousas piedosas, em que todo lançava, e alli tudo lhe crecia. E este irmaaõ legitimo delRei D. Diniz, e filho delRei D. Affonso Conde de Bolonha, e da Rainha Dona Breatiz, faleceo no anno de mil duzentos e noventa e nove annos, (1299) e jáas sepultado no Moesteiro de S. Dominguos de Lisboa, em hum Moimento de pedra, que estaa á porta do Coro, esto ponho por tirar opiniam, e erro, que muitos antiguos teveram e eu ho vi, que este que alli jazia, era ho filho que ElRei D. Affonso Conde de Bolonha ouve de Dona Matildes Condeça de Bolonha sua molher, ho que nom hee (segundo jáa tenho dito) porque esta hee ha verdade, qeu affirmo, e eu ha vi no proprio letreiro, que tem ho dito Moimento, e assi ho achei por outras escrituras asáas autentiquas. *CAPITULO VI* _Do que succedeo do cazamento do Ifante D. Affonso, filho delRei D. Diniz, e do Ifante D. Fernando, filho delRei D. Sancho de Castella_. No tempo, que hos ditos cazamentos antre estes Reis, e suas vistas se concordáram, foi logo acordado, e assentado pera moor firmeza do cazamento do Ifante D. Fernando com ha Infante Dona Costança, porque em algum tempo nom ouvesse causa, nem razam pera se leixar de fazer, que ElRei D. Sancho pozesse loguo, como poz em poder, e fieldade de Portugueses estas suas Cidades, Villas, e Castellos, ha saber, Badalhouce, Moura, Serpa, Caceres, Broguilhos, Acharces, Aguilar de Neiva, com tal condiçam, que se ElRei D. Sancho, e ha Rainha Dona Maria sua molher, ou aquella ha que ho Ifante D. Fernando tevesse em seu poder, nom comprissem, e fizessem fazer, ou ho mesmo Ifante aho tempo que era limitado, nom quizesse cazar com ha dita Ifante, que nestes casos hos ditos Portugueses, que hos ditos Castellos tinham, hos entreguassem loguo aho dito Rei de Portugual pera sempre de seu Reino, e Senhorio, e mais que depois do cazamento ser assi feito se ho dito Ifante D. Fernando leixasse ha Ifante Dona Costança sua molher, e lhe nom desse de suas arras des mil maravedìs douro, em que se concordaram, que neste caso tambem hos ditos Castellos de Castella se entreguassem ha Portugual. E por esta maneira ElRei D. Diniz poz em fieldade, e poder dos Castelhanos hos Castellos, e Cidades da Guarda, e Pinhel, pera que nom dando, e entreguando ha dita Ifante aho tempo concordado, que hos perdesse, e fossem pera sempre de Castella. Mas ElRei D. Sancho ho nom comprio assi; porque desejando de desfazer ho dito cazamento procurou contra sua verdade daver hos ditos Castellos da terceria, e ho que pior foi, que hos ouve, e tomou com mortes dalguns Alcaides Portugueses, do que ElRei D. Diniz foi mui anojado, porque de sua natural, e Real condiçam nunqua se achou, que dicesse mentira, assi sentio, e lhe doeo muito quebraremlhe tam honestamera te ha prometida verdade; e porque antre elles, era tambem concordado, que de pormeio ambos concordassem, procurassem, e paguassem has despensassoens Apostoliquas, que se requeriam por serem muito parentes. ElRei D. Diniz enviou loguo por sua parte querella aho Papa; mas ElRei D. Sancho mudou sua messagem em outra sustancia, porque enviou ha ElRei D. Felippe de França, requerendolhe huma sua filha pera ho Ifante D. Fernando, seu filho, antre hos quais ouve loguo prazer, e outorgua pera este cazamento se fazer. Ho que ElRei D. Sancho loguo fez saber ha ElRei D. Diniz sem asinar causa evidente porque ho fizera, e com esta confiança, e esforço de França, elle rompeo ha paaz, que tinha com Portugual, e mandou loguo sua frota de naos, gualés aho Alguarve, e nellas muita gente que por maar, e por terra fizeram grandes danos, assi nos Cristãos, como nos Mouros fóra daquelle Reino, de que levaram muitos cativos, e por elles de seus resguates, outra grande soma de dinheiro de Portugual, e assi entraram has gentes do Reino de Liam, e queimaram, e roubaram, e fezeram grandes danos com mortes de muitos do Reino de Portugual. ElRei D. Diniz maravilhado destas roturas, e sem razões delRei D. Sancho, desejando todavia com elle paaz, e por nom virem ha maiores danos, rompimentos, lhe enviou por algumas vezes requerer assi ha entregua de seus Luguares, que contra direito lhe tinha tomados, como emenda dos outros danos, e perdas e tomadias que em seus Reinos vassallos, e fazendas delles contra ho assento de sua paaz tinha recebidas, e assi que comprisse ho cazamento de seu filho com ha Ifante Dona Costança como tinha assentado, sobre ho que lhe enviou por seus embaixadores, e Procuradores ho Bispo de Lixboa, e Joaõ Simaõ Meirinho moor, que na Corte delRei D. Sancho andavaõ sem algum despacho detidos. E porque ho cazamento de França, que ElRei D. Sancho tinha por feito se desconcertou, e desesperou vendo que de necessidade lhe convinha concertarse com ElRei D. Diniz, assi no cazamento de sua filha, como em lhe fazer emenda dos males, danos passados, enviou ha elle por Embaixador D. Mauzinho Bispo de Palença, por ho qual lhe mandou dizer, que sua vontade era de todo concertarse com elle, e que pera esso enviasse seus apontamentos ahos ditos seus Embaixadores, que ainda eram em sua Corte, com hos quaes se concordariaõ como fosse razam, e ha seu contentamento. Aho que ElRei D. Diniz satisfez, mas hos ditos seus Embaixadores vendo, que ha concruzam delRei D. Sancho era de longuas, e de negações sem causa se tornaram sem duvida ha Portugual sem nhum despacho. E no tempo destas desavenças, e guerra antre ElRei D. Sancho, e ElRei D. Diniz, ho Ifante D. Joaõ seu tio, irmãao da Rainha Dona Breatiz sua madre, e D. Joaõ Affonso Dalbuquerque, neto delRei D. Diniz, filho de Affonso Sanches, seu filho bastardo, acertouse que entraraõ ha correr terra de Çamora com muita gente, que levavam com D. Joaõ Nunes de Lara, filho que foi de D. Nuno Guonçalves de Lara, que diceram ho Bom, ho qual era desavindo delRei D. Sancho, e tendo elle cõsiguo pouquos Cavalleiros pera peleja saio, e ho esperou, e na peleja que ouveram foi delles prezo, e trasido ha Portugual ha ElRei D. Dininz, ha quem ElRei D. Sancho, pello dito Bispo de Palença enviou pedir, que ho quizesse soltar, e enviarlho, porque elle ho queria recolher, e servirsse delle, e fazerlhe honra, e merce, especialmente tornarlhe suas terras, que lhe tinha tomadas, e nom por desleal, mas porque fora sempre ha serviço, e da parte delRei D. Affonso, com que ElRei D. Sancho seu filho teve guerra, como jáa dito hee. ElRei D. Diniz, como homem mui liberal sobre todolos Reis de seu tempo, enviou loguo com muitos Cavalleiros, e Fidalguos de sua caza, ho dito D. João Nunes ha Castella, ha que deu grandes dadivas, e fez muita merce, e D. Joaõ Nunes fiquou por vassallo delRei D. Diniz, e ha seu serviço, e ha sua boa vontade, e como homem boò, e aguardecido nunqua depois lho neguou, e por esso depois em Castella nom compriram com elle assi como lhe tinham prometido, e elle por esso se foi ha França, e de guerra tornou depois ha Castella, como aho diante direi. E tornando á Estoria ha ElRei D. Diniz, elle como vio que ElRei D. Sancho contra direito, e rezam lhe falecera de todo, e nom compria alguma cousa das muitas, que com elle concordára, bem entendo que nom queria com elle paaz, e amor, como por bem, e assesseguo de seus Reinos sempre desejara, e porém porque era Rei de grande coraçam, e que álem das perdas que recebera, ainda por estes casos recebia alguma quebra de sua grande honra, e boõ nome, determinou aparelhar loguo sua fazenda, e ho que lhe compria, e mandalo desafiar pera pubriqua guerra, e entrarlhe por sua terra, e della nom sair atée nom aver emenda, e em comprimento de todo ho que requeria, e de direito lhe era devido. Neste tempo ante dalguma destas cousas aver efeito, morreo ElRei D. Sancho estando na Cidade de Toledo, na era de mil duzentos noventa e sinquo, (1295) sendo ainda mãcebo. Ha causa de sua morte antecipada, e sua tam pouca vida muitos ha reportaram ha sentença da Lei de Deos, e pela desobediencia, e maao trato, que com desamor fezera ha ElRei D. Affonso seu pai, como atraas se dice, ElRei D. Sancho leixou á ora de sua morte por seus testamenteiros, e tutores de seu filho à Rainha Dona Maria sua molher, e ho Ifante D. Anrique seu tio, irmãao del-Rei D. Affonso seu padre, ho qual Ifante ha este tempo fora solto da prizam em que por muitos annos jouve em Italia, quãdo prezo por Carlo Rei de Napoles em Cesilia, na batalha em que Corradino seu competidor nos ditos Reinos foi morto, em cujo favor, e ajuda ho dito Ifante viera, e ha estes encomendou em seu testamento, que comprissem com ElRei D. Diniz ho que tinha concordado, assi no cazamento dos filhos, como na entregua das Villas de Moura, e Serpa, e dos outros Luguares que ha Portugal pertenciam. Depois do falecimento dei Rel D. Sancho, loguo ElRei D. Diniz mandou por seus messegeiros requerer ha ElRei D. Fernando, que novamente começara de Reinar, e assi à Rainha Dona Maria, e aho Ifante D. Anrique, seus tutores, que quizessem comprir hos cazamentos, e fazer ha entregua das Villas, segundo com ElRei D. Sancho seu pai estava concordado, e elle em seu testamento leixara aho tempo de sua morte. Aho que ElRei D. Fernando com acordo, e autoridade dos ditos tutores nom satisfez, segundo ElRei D. Diniz esperava, antes pelo contrairo, poendo ahos cazamentos entreposições de tempo, que tinham semelhança de denegações, e assi escuzas à entregua dos Luguares, chamandose Senhor delles em suas mesmas cartas, da reposta que enviou, de que ElRei D. Diniz se sentio mui escandalizado, e para determinadamente saber ho que por sua honra, e por sua justiça compria, tornou ha enviar ha ElRei D. Fernando João Anes Redondo, e Mem Rodrigues Rebotim, seus Cavalleiros, e pessoas principaes, hos quais estando presentes ha Rainha Dona Maria, e ho dito Ifante D. Anrique, e assi muitos Cavalleiros, pessoas principaaes do Conselho de Castella, elles pera justificaçam da causa delRei D. Diniz, e do Reino de Portugual diceram ha ElRei D. Fernando mui particularmente todalas ajudas que elle, e ElRei D. Affonso seu padre tinham feitas ha ElRei D. Sancho, e ha ElRei D. Affonso seu padre, e avoo do dito Rei D. Fernando, hos quais muitas vezes prometeram fazer entregua dos Luguares ha Portugual, mas ainda para acender mais mal com suas gentes por maar, e por terra lhe fizeram muitos danos em seus Reinos, e vassalos, sem ho quererem emendar podendo o fazer. Pello qual hos ditos Embaixadores, diceram contra ElRei D. Fernando. Senhor estas cousas que asima relatamos tam breves, sam mais inteiramente sabidas por certas, e verdadeiras por ha Rainha vossa madre, e por estes Senhores, que aqui estam presentes, e por ellas ElRei N. Senhor se maravilhou delRei D. Sancho vosso padre poer tardança, e escuza na emenda, e satisfaçam dellas, pois eram justas, e de razam, e porque ha tençam com que esto fazia elle ho nom entrepretava ha bem, por esso em sua vida ho mandou desafiar para entrar, e pór guerra em seus Regnos, e aver emenda do que justamente pedia, e depois de seu falecimento ElRei N. Senhor por algumas vezes vos enviou roguar como ha filho, e aconselhar como amiguo, que has cousas que por ElRei vosso padre lhe eram prometidas, vós lhas quisesses comprir, e assi receberdes sua filha ha Ifante Dona Costança por vossa molher, assi como antes fora concordado, vós na reposta que lhe enviastes em luguar de lhe mandardes entreguar hos ditos Castellos, e Luguares de que era forçado, vio nella que vos chamastes delles Senhor, e por esso hee muito anojado de vós, e de quem vos aconselhou muito escandalizado, e porque este escandalo, e agravo que de vós tem, nacem de taes cousas, razões, que por sua honra, e estado nom convem passarem sem justiça, e emenda, elle por nós finalmente, vos manda dizer huma cousa, que pella esperança que de vós tinha, e pellos grandes dividos que antre vós ha lhe he mui cara de fazer, e porém hee de sua honra, e serviço aconselhado que sem trespaço ha faça ha saber, que vós daqui em diante busqueis outro amiguo que ponhais em seu luguar, porque elle quererá com suas forças, e poder trabalhar de vos penhorar pera sua entregua nos Regnos de Castella, e Liam, e que vos pera esso envia engeitar vossa amizade, e como ha imiguo desafiar, pera que vos façais prestes, porque em sua vinda nom tardará muito. Destas razões, e desafio pubriquo, que estes Embaixadores de Portugual fezeram ha ElRei D. Fernando de Castella foraõ alguns, que eram presentes asaas maravilhados, e outros postos em desvairados pensamentos. E porém esperando hos ditos Embaixadores alguma reposta, porque lhaa nom deram se tornaram descontentes ha Portugual, onde ElRei D. Diniz dobrandose por esso has cousas de sua entrada em Castella, ajuntou loguo suas gentes, e com asaas poder se foi à sua Cidade da Guarda, pera dahi entrar loguo em Castella, maas antes que entrasse, veo hi ho Ifante D. Anrique tio, e tutor delRei D. Fernando, e sobre praticas, apontamentos, e concordias, que antre elles sobre estas cousas ouve, concertaram que ambos fossem dahi, como foram à Cidade Rodriguo, que hee em Castella, onde estavam ElRei D. Fernando, e ha Rainha Dona Maria sua madre, e alli outra vez todos se concordaram sobre ho cazamento, que atée certo tempo loguo limitado, se ouvesse de fazer. E assi foi despachada ha entregua de Serpa, e Moura, sobre que a Rainha, e Ifante em nome delRei D. Fernando passaram sua carta por hum Estevam Pires Adiantado moor do Regno de Liam, que era Alcaide, e tinha has ditas Villas de Serpa, e Moura pera que se entreguassem ha Johaõ Rodrigues Porteiro da Camara delRei D. Diniz, pera que este has entreguasse, como entreguou ha Coguominho, Cavalleiro delRei D. Diniz, porque elle poz loguo nellas por Alcaide huum Martim Botelho, e outro Lourenço Martins Guanço, que esta carta delRei D. Fernando passou em Cidade Rodriguo ha vinte Doutubro do anno de mil duzentos noventa e sinquo annos, (1295) aselada com tres selos pendentes, ha saber, ho delRei no meio, e ho da Rainha à maõ direita, e ho do Ifante D. Anrique à esquerda, e sobre esta concordia, que foi ifirmada com grandes, e solenes juramentos, ElRei D. Diniz se tornou pera dentro de seu Regno. E sendo depois cheguado ho tempo em que ElRei D. Fernando avia de receber por molher ha Ifante Dona Costança, e comprir outras cousas em que fiquaram em Cidade Rodriguo concertados, ElRei D. Diniz por seu messegeiro hos mandou requerer, porque elle tornou ha Portugual sem ha reposta, e concruzaõ que ElRei esperava entonces, e veo com palavras, que mostravam craros sinais de verdadeira denegaçam das cousas prometidas. ElRei D. Diniz anojado desso, com coraçam pera sua emenda, e vinguança mui cheo de sanha determinou sem mais tardar entrar loguo de guerra em Castella, e pera esso concertou, e apercebeo mui bem seus Castellos das frontarias, em que leixou bõos fronteiros, e ajuntou outra vez suas gentes pera mais poderoso entrar em Castella, e ajuntaremse com ElRei D. Diniz contra ho Ifante D. Fernando Rei de Castella, ho Ifante D. Pedro erdeiro Daraguam, que depois foi Rei, que era primo com irmaaõ da Rainha Dona Isabel de Portugual, e ho Ifante D. Johaõ, que cõtra ElRei D. Sancho se chamava Rei de Liam, e era filho delRei D. Affonso ho decimo avoo delRei D. Diniz, e D. Johaõ Nunes de Lara, aquelle, que sendo prezo em Portugual foi por ElRei D. Diniz enviado solto, e com grande honra enviado ha Castella, como atraas dice. E sendo jáa todos juntos no estremo da Comarqua da Beira pera entrar em Castella, veo ha ElRei D. Diniz ha Ifante Dona Margarida, molher que fora do Ifante D. Pedro, e com ella D. Sancho de Ledesma seu filho, e por descontentamentos, que tinha delRei D. Fernando pedio ha ElRei D. Diniz por mercee, que ho recebesse por vassallo, do que ha ElRei aprouve, e lhe poz loguo grande contia de dinheiro em seu ordenado, e lhe mandou que loguo se aparelhasse pera entrar com elle em seu serviço, e porque ho dito D. Sancho, que sóomente viera pera receber muito dinheiro que levou, ou por lhe cometerem outros partidos em que mais consentio elle, nom tornou ha servir ElRei D. Diníz, e com seu dinheiro se foi pera ElRei D. Fernando ho quaal como soube que ElRei tinha todas suas gentes percebidas pera entrar em Castella mandou logo perceber em Sevilha suas gualees, e frota que de guerra vieram aa costa de Portugal, e entraram no porto de Restelo, mea legua de Lixboa, onde tomaram naaos de Portugal carreguadas de mercadorias, e has levaram. E ho Almirante de Portugal que ha esse tempo estava em Lixboa por cobrar ha preza, e pera vinguança do maal que se fezera, armou logo com grande triguança outras gualees, e foi empoz da frota de Castella, que ainda alcançou no maar onde todos ouveraõ grande, e crua guerra, mas em fim ho Almirante de Portugal ficou vitorioso, e tomou ahos contrairos suas naaos, e gualees, e mais has que consiguo levavam, e trouxe tudo aho porto de Lixboa. *CAPITULO VII* _Como ElRei D. Diniz entrou em Castella, e da crua guerra, que de huuma parte e da outra se fazia_. ElRei D. Diniz com suas gentes beem ordenadas entrou por has Comarquas de Cidad Rodriguo, e de Ledesma, e na frontaria hos Portuguezes toamraõ por força em hum Castello, que dizem Torres, todolos contrairos, que nelle acharam, e dahi foi ElRei D. Diniz fazendo crua guerra sem alguma rezistencia nem contradiçam corenta leguoas por Castella atée ho Luguar de Simancas que hee duas leguoas de Valedolid, onde ElRei D. Fernando estava, e ha tençaõ de todos era que ElRei D. Diniz ho hia cerquar pera que repartiram suas estancias de que ha huuma parte davam ha ElRei D. Diniz, e ha outra cõ ha gente Daraguam davam ha D. Affonso de Lacerda, que era com elle contra ElRei D. Fernando, porque se chamava Rei de Castella por ser filho primeiro do Ifante D. Fernando de Lacerda, e neto delRei D. Affonso ho decimo, e ha outra parte davam aho Ifante D. Joham que se chamava Rei de Liam, e porém ho cerquo se nom poz; mas ElRei D. Diniz se tornou ha huu Castello de Medina que dizem Pasaldes, e tomaram-no sem resguardo, nem rezistencia, e sem reverencia entraram ha Egreja, e espedaçaram has Imagens dos Sãctos, e ha despojaram de todo ho que nella acharam, e com muita crueza mataram ahos que se nella acolheram, sem perdoarem alguua idade de machos, nem femeas. De que hos Castelhanos movidos primeiramente por sua crueza e depois por sua vinguança nos luguares e couzas semilhantes que pera exercitar sua sanha se lhes offereciam ho nom faziam menos porque na Comarqua, e frõtaria de Riba Dodiana alguus Capitaens, e senhores de Castella, dos quaes era D. Affonso Pires de Gusmam se ajuntaram nom pera dar batalha ha ElRei D. Diniz, mas pera entrar, como entraram em Portugual, onde entraram com muitas gentes Dandaluzia, e da sua frontaria, da quaal entrada mataram, e cativaram de Portugual muitos homens, e molheres, seem alguua piedade, e levaram grandes roubos da teerra. Aho encontro do quaal foi ho Mestre Davis com has gentes, que pode, e ouveram ambos mui dura peleija em que ouve muitas mortes, e danos dambas as partes, no fim da quaal ho Mestre foi vencido por has menos gentes, que tinha, e muitos dos seus foram mortos, e nove centos cativos, que vendiaõ, e resguatavam em Castella por mui pouquo preço, porque outro tanto se fazia de castelhanos cativos em Portugual, porque de huua parte, e da outra hos que se cativavam assi se vendiam como servos, ainda que se acha que hos Castelhanos nesta qualidade de crueza uzavaõ contra hos Portuguezes em mais estremo, e cõ menor piedade, porque ha todos se diz que hos punham em barreiras, e nellas mui cruamente hos matavam aas setadas; Pelo quaal hos corações de huus, e outros assi eram nesta guerra acezos em odio, e ira; que pareciam arder pera todos matarem, queimerem, e destroirem seem alguua piedade, nem temperança, como faziam. *CAPITULO VIII* _Dos grandes maales e danos que de hum Regno ha outro se faziam, e dalguns Luguares de Castella, que hos Mouros tomaram_. Hos periguos, danos, mortes, perseguiçoens, e trabalhos durando esta guerra eram tantos nos maares, e teerras dambos estes Regnos de Portugual, e Castella, em que huus ahos outros por odios e vinguanças se guerreavam, que por aspero jáa se nom podiam sofrer, por que a todolos Luguares que cheguavam ha que cerquas fortes nom defendiam, logo eram entrados, roubados, e destroidos de todo, e hos Castelhanos tornaram a cobrar ho Castello de Torres, que fora tomado na frontaria de Castella, e dos Portuguezes que ha guardavam nem fiquou nhum que ha ferro nom morresse, e com a nova desta crueza de que ElRei D. Diniz foi logo certifiquado com suas gentes em mui maior sanha, e pera mais destroiçam contra hos Luguares da Comarqua de Salamanca porque andava, porque nom valiam Egrejas, nem cazas sagradas, e piedozas ha alguus que se ha ellas acolhiam, porque nellas assi eram mortos, roubados, & cativos, como se foram outras quaesquer cazas profanas. E com certidaõ desta crua guerra de que ElRei de Grada foi certifiquado, porque era na terra dos Christãos, nom achou quem ho rezistir, entrou com maior esforço pela parte Dandaluzia, e assi guerrearam hos Mouros que por força guanháram ha fortaleza de Quesada, e Alcaudete, com tres outros Castellos, e entraram ho arrabalde de Jaem. E com estas tam danosas entradas de taes dous Rex contrairos em Castella, nem ElRei D. Fernando nem ha Rainha sua madre, nem hos do seu concelho abrandaram has vontades pera cõprir com ElRei D. Diniz ho que lhe tinham prometido, crendo que elle por necessidades que ocurriam, ou por grandes despezas que na guerra fazia has nom poderia tanto tempo sofrer, e se partiria da teerra, mas veendo ElRei D. Fernando, e ha Rainha Dona Maria, e ho Ifante D. Anrique seu Tutor, que esta maginaçam pelas obras, e continuaçam delRei D. Diniz cada vez mais crecia acordaram de dar ha Villa de Tarifa hos Mouros por sua, porque com suas pessoas, e poder hos viessem ajudar contra ElRei D. Diniz porque hos moradores Dandaluzia eram com entradas, dos infieis jáa taõ destroidos, que vendo ha entrada dos Mouros ho quizeram assi fazer. *CAPITULO IX.* _Da razam porque ElRei D. Diniz desistio desta guerra, e se tornou ha Portugal_. Avia hum anno, e tres mezes que esta guerra antre Castella, e Portugal durava tam crua antre hos Castelhanos, e Portugueses, no quaal tempo ha Rainha Dona Isabel, que estava em Portugal por seus Sanctos dezejos, e muitas virtudes com que nacera recebia desta discordia grande nojo, e muita tristeza, e pera que tantos maales com beem, e paaz de todo cessassem, de contino cõ devotas, e perseveradas lagrimas fazia suas oraçoens ha Deos, pera que cõ sua piedade hos remediasse, com segura paaz, pois elle por paaz, e salvaçam do mundo, aho mundo quizera vir, e com esto nom leixava hos outros meios, e interesses secretos que pera efeito desso ahos Rex, e ahos de seu Concelho sempre apontava, mas aprouve ha Deos que vendo ElRei D. Fernando, e seus Tutores, e hos do seu Concelho, e principaes senhores de Castella que ha destroiçam de sua teerra por armas, e guerra jáa se nom podia cobrar, nem vinguar, antes hia cada vez em pior, e mais dano acordaram por melhor tomar ho remedio da paaz, e satisfazer ha ElRei D. Diniz nas couzas que juntamente requeria, porque com esso outra se remedeasse, e compuzesse em asseceguo, como fez. Porque sobre este acordo loguo enviaram roguar, e pedir ha ElRei D. Diniz que andava guerreando Castella que leixasse ha guerra, e que ha paaz, e concordia se faria antre elles, como elle quizesse, e com esto foi mui contente, e confiou que compririam com elle, e poz loguo defeza que mais se nom fizesse guerra nem maal em Castella, e com esto em se tornando pera seu Regno veio loguo por riba de Coa, onde loguo por cerquos, e combates cobrou ha seu poder ho senhorio de todolos Lugares daquella Comarqua, que aguora sam de Portugal, porque eram de D. Sancho que se fizera seu vassallo, e de sua contia, e ordenado receberam ElRei muito dinheiro, com que depois ho desservio, como atraas dice, hos quaes Lugares nom eram entaõ taõ afortalezados como ElRei depois hos fez, e por elles se deu booa satisfaçam em Castella aho dito D. Sancho por taal que cõ elles fizesse, como fez outro Escaibo antre Portugal, e Castella, como aho diante direi. *CAPITULO X* _Dos casamentos, e Escaibos que depois da concordia se fezeraõ antre estes Rex em Alcanizes_. Como esta concordia antre hos Rex, e seus Regnos foi sobre seguranças apontada como dice, ElRei D. Fernando, e ha Rainha sua madre, e ho Ifante D. Anrique seu Tutor pera se tudo fazer com mais firmeza, e maior autoridade sendo feito por prazer, e consentimento de todolos do Regno, chamaram sobre este cazo ha Cortes geraaes que se logo fizeram em Çamora, onde por todolos Estados dambolos Regnos de Castella, e de Liam foi concordado que por ceçarem danos, perdas, e outros grandes inconvenientes que da guerra com Portugal se seguiam era beem que ha paaz se fizesse com outorgua dos cazamentos, e das outras couzas, que ElRei D. Diniz requeria segundo fora apontado, e concordado antre elle, e ElRei D. Sancho e sobre esso enviaram loguo Embaixadores, e Procurador ha ElRei D. Diniz que era em Coimbra Alonso Peres de Gusmam pera lhe certifiquarem ho que nas Cortes fora asentado, e pera has couzas loguo averem devido efeito concordaram vistas das pessoas Reaes no Luguar Dalcanizes, que hee em Castella, pera onde hos Rex loguo partiram, e se ajuntaram no mez de setembro de mil e duzentos e noventa e sette annos, (1297) e com ElRei de Castella foram ha Rainha Dona Maria sua madre, e ho Ifante D. Anrique seu Tutor, e defensor dos Regnos, e com elles hos Ifantes, e senhores que aho diante direi na Escritura do escaibo onde sam particularmente nomeados. E com ElRei D. Diniz foi ha Rainha Dona Isabel, sua molher que levou consiguo ha Ifante Dona Costança sua filha, e ho Ifante D. Affonso irmaaõ delRei, D. Diniz, e hos Bispos, e senhores que na carta do escaibo particularmete estaõ nomeados, e ho Ifante D. Affonso erdeiro ficou na Villa de Trancozo em Portugal hos quaaes todos juntos asentaram principalmete entre si, e seus Regnos, e senhorios ha paaz, e seguridade por corenta annos, nos quaes fossem verdadeiros amiguos damiguos, e imiguos de imiguos, e que todalas pessoas de qualquer estado, e condiçam que fossem que de hum Regno aho outro durando ho tempo da paaz fizessem guerra, dano, ou maal, que fossem loguo entregues aho Rei, e Regno danificados pera delles se fazer justiça inteira segundo fosse ha qualidade do crime, e porque ouveram por beem que hos cazamentos que se ali haviam de fazer nom se concertassem, nem fezessem atee que todalas entreguas e escaibos das Villas, e Laguares de hum Regno ha outro fossem feitos, e concordados, e como atraaz elles estaõ apontados. Foi loguo feita huma carta de concordia das ditas couzas cujo treslado de verbo a verbo tornado fielmente por mim Coronista de Castelhano em Portuguez de proprio original que vi, e jaaz no Tombo he que se segue. * * * * * Em nome de Deos amem, saibam quantos esta carta virem, e leer ouvirem que como fosse contenda sobre Villas, termos, e partimentos, posturas, e preitos antre nós D. Fernando pela graça de Deos Rei de Castella, e de Liam, e de Toledo, Dalgezira, Sevilha, e Cardova, e de Murcia, e Jaem, e do Alguarve, e senhor de Molina de huma parte, e D. Diniz pela mesma graça de Deos Rei de Portugual, e do Alguarve, da outra por razaõ destas contendas sobre ditas nacem antre nós muitas guerras, e omezios, e excessos em tal maneira que de nossas terras dambos foram muitas roubadas, queimadas, e estraguadas em que se feez hi muito pezar ha Deos nosso Senhor por morte de muitos homens, vendo, e guardando que se aho diante fossem destas guerras, e discordias que estavam nossas terras dambos em tempo, e ponto de se perder por nossos peccados, e de vir as mãaos dos imiguos da nossa fee, e em fim por apertar tam grande desserviço de Deos, e da Santa Egreja de Roma, nossa madre, e tam grandes danos, e perdas nossas, e da Christandade, por ajuntar paaz, amor, e grande serviço de Deos, e da Egreja de Roma ho sobredito Rei D. Fernando com Concelho, e outorguamento, e por autoridade da Rainha D. Maria minha madre, e do Ifante D. Anrique meu tio, e meu Tutor, e guarda dos meus Regnos, e dos Ifantes D. Pedro, e D. Felippe meus irmãaos, e de D. Dioguo de Faram Senhor de Biscaya, e de D. Sancho filho do Ifante D. Pedro, e D. Joham Bispo de Tuy, e D. Joham Fernandes Adiantado moor de Galiza, e D. Fernam Fernandes de Molina, e D. Pedro Ponce, e D. Guarcia Fernandes de Villa maior, e D. Affonso Peres de Gusmam, e D. Fernam Pires, Mestre Dalcantra, e D. Estevaõ Pires, e D. Telo Justiça moor da minha Caza, e doutros Ricos homens boons de meus Regnos, e da Irmãdade de Castella, e de Liam, e dos Concelhos destes Regnos, e de minha Corte. E eu ElRei D. Diniz, suso dito com cõcelho, e outorgua da Rainha D. Isabel, minha molher, e do Ifante D. Affonso meu irmãao, e D. Martinho Arcebispo de Braga, D. Joham Bispo de Lixboa, e D. Sancho Bispo do Porto e D. Vasco Bispo de Lameguo, e do Mestre do Templo Davis, e de D. Affonso meu mordomo móor, senhor Dalbuquerque, e de D. Martim Gil meu Alferes moor, e de D. Joham Rodrigues de Briteiros, e de D. Pedro Annes Portel, e de Lonrenço Soares de Valadares, e de Martim Affõso, e de Joham Fernãdes de Lima, e de Joham Mendes, e de Fernam Pires de Barboza meus ricos homens, e de Joham Simam meirinho moor, de minha caza, e dos Concelhos dos meus Regnos, e de minha Corte ouvemos acordo de nos avirmos, e fazermos avenças antre nós nesta maneira que se segue, a saber, que eu Rei D. Fernando sobredito entendendo, e conhecendo que hos Castellos, e Villas da terra Darronhes, e Darecena com todos seus termos, direitos, e pertenças que eram de direito do Regno de Portugual, e de seu Senhorio que hos ouve ElRei D. Affonso meu avoo delRei D. Affonso vosso padre contra sua vontade, sendo estes Luguares delRei D. Affonso, e que outro si os tiveram ElRei D. Sancho meu Padre, e eu, e por esso pus com vosquo em Cidade Rodriguo, que vos desse, e entreguasse has ditas Villas, e Castellos, ou escaibos por elles apaar dos vossos Regnos de que vós, vos paguasseis, de dia de Sam Miguel que passou da era de mil trezentos trinta e quatro annos (1334) atée seis mezes, e porque volo assi nom compria douvos por essas Villas, e Castellos, e pellos seus termos, e pellos frutos da quelles que ahi ouvemos meu avoo ElRei D. Affonso, e meu padre ElRei D. Sancho, e eu outro si atee ho dia doje, Olivença, e Campo maior, que sam apaar de Badajoz, e Sam Felizes dos Gualeguos com todolos seus termos, e direitos, e pertenças, e com todo senhorio, e jurdiçam Real, que ajades vós, e vosso socessores por erdamento para sempre assi ha possessam, como ha propriedade, e tiro de mim e do Senhorio de meus Regnos de Castella, e de Liam, hos ditos Luguares, e todo direito que eu ha hi hei de hos aver, e douvolo, e ponho-o em vós, e vossos sucessores, e no Senhorio de Portugual, pera sempre. Outro si meto no vosso Senhorio, e de vossos socessores do Regno de Portugual para sempre ho Luguar que dizem Ouguela, que hee junto de Campo maior acima dito, com todos seus termos direitos, e pertenças, e dou ha vós, e ha todos vossos socessores do Senhorio de Portugual toda ha jurdiçam direito, e Senhorio Real que eu tenho, e devo ter de direito no dito Luguar Douguela, e tiro de mi, e do Senhorio de Castella, e de Liam, e ponho em vós, e em todos vossos socessores, e no Senhorio do Regno de Portugual pera sempre salvo ho Senhorio direitos, e herdades, e Egrejas deste Luguar Douguela, que hos aja ho Bispo, e Egreja de Badajos atee que com elle faça que volas solte assi como deve. Todas estas couzas de suso dittas vos faço porque nos quiteis dos ditos Castellos, e Villas Darronches, e Darecena e de seus termos, e dos fruitos que dahi ouvemos ElRei D. Affonso meu avoo, e ElRei D. Sancho meu padre, e eu. Outro si eu ElRei D. Fernando entendendo, e conhecendo que vós tendes direito em alguns Luguares dos Castellos, e Villas do Sabugual, e Alfaiates, e de Castel Rodriguo e Villar maior, e de Castel bom, e Dalmeida, e de Castel milhor, e Monforte, e doutros Luguares de riba de Coa, hos quaaes vós Rei D. Diniz tendes aguora em vossa maão, e porque vòs vos partis, e tiraaes do direito que tinheis em Valença, e em Ferreira, e no Esparragual que agora tem ha Ordem Dalcantra em sua maão, e do direito que aviades em Aia monte, e em outros Luguares que aviades em Liam, e em Gualiza, e assi porque vós vos partis, e tiraaes das demandas que me vós fazieis por rezaõ dos termos que sam antre ho meu Senhorio, e ho vosso, por esso eu me parto, e tiro dos ditos Castellos, e Villas, e Luguares do Sabugual, e Alfaiates, e de Castel Rodriguo, e de Villar maior, e de Castel bom, e Dalmeida, e de Castel milhor, e de Monforte, e dos outros Luguares de Riba de Coa, que aguora vós tendes em vossa maão, com todos seus termos e pertenças, e partome de toda ha demanda que eu tenho ou poderia ter contra vós, ou contra vossos socessores por rezam destes Luguares sobreditos de Riba de Coa, e cada hum delles, e outro si me parto de todo direito, ou jurdiçam, ou Senhorio Real tambem na possessam como na propriedade como em outra maneira qualquer que ho eu ahi tenha, e ho tiro de mi todo, e de meus Senhorios e de meus socessores, e dos Senhorios dos Regnos de Castella, e de Liam, e ponho em vós, e em vossos socessores, e no Senhorio do Regno de Portugual pera sempre, e mando, e outorguo que se por ventura aa alguns privilegios ou cartas ou estromentos parecerem, que forem feitos antre hos Rex de Castella, e de Liam, e hos Rex de de Portugual sobre estes Luguares sobre ditos davenças, onde posturas, demarcaçoens, e em outra qualquer maneira sobre estes Luguares que sejam contra vós ou contra vossos socessores, ou em vosso dano, ou em dano do Senhorio de Portugal, que daqui em diante nom valham nem tenham ha menagem, e firmeza nem se possam ajudar dellas eu, nem meus socessores, has quaaes todas revogo pera sempre. E eu ElRei D. Dinis asima dito por Olivença, e por Campo maior, e por Sam Felizes dos Gualegos que me vòs dais, e por Ouguela, que meto em meu Senhorio segundo asima he dito, eu me parto, e tiro dos Castellos, e Villas Darronches, e Darecena, e de todos seus termos, e direitos, e de todas suas pertenças, e de toda ha demanda que eu tenho, ou poderia ter contra vós, ou contra vossos socessores por razam destes Luguares sobreditos, e de cada hum delles que ElRei D. Affonso vosso avoo, e ElRei D. Sancho vosso padre, e vós ouvestes, e recebestes, e destes Luguares dou ha vós, e ha vossos socessores todo direito, e jurdição, e Senhorio Real, que eu ei, e de direito poderia aver nesses Castellos, e Villas Darronches, e Darecena, por qualquer maneira que ho eu ahi ouvesse, e ho tiro do meu, e de meus socessores, e do Senhorio do Regno de Portugal, e ho ponho em vós, e em vossos socessores, e no Senhorio do Regno de Castella, e de Liam, pera sempre, outro si eu ElRei D. Diniz porque vós, vos tiraaes dos Castellos, e Villas do Sabugual, e Dalfaiates, e de Castel Rodriguo, e de Villar mayor, e de Castel bom, e Dalmeida, e de Castel milhor, e de Monforte, e doutros Luguares de Riba de Coa, com seus termos que eu aguora tenho em minha maaõ assi como asima hee dito, eu tambem me tiro, e aparto de todo direito, que eu ei em Valença, e em Ferreira, e no Esparragual, e em Aia monte, outro si me parto de todalas demandas que tenho, e poderia teer contra vòs, em todolos outros Luguares de todos vossos Regnos, e Senhorios em quaalquer maneira, outro si me parto de todalas demandas que eu tinha contra vós por razam dos termos que sam antre ho meu Senhorio, e ho vosso sobre que era contenda. Eu ElRei D. Fernando de suso dito por mi, e por todos meus socessores com concelho, e outorguamento, e autoridade da Rainha minha madre, e do Ifante D. Anrique, meu tio, e meu Tutor, e guarda de meus Regnos prometo ha booa fee, e juizo sobre estas couzas asima ditas, e cada huuma dellas pera sempre nunqua vir contra ellas por mi, nem por outrem defeito, nem de direito nem conselho, e se assi nom fizer que fique por perjuro, e por tredor como quem mata seu senhor, outra, e Castello, e nós Rainha, e ho Ifante D. Anrique asima dito outorguamos todas estas couzas, ou cada huuma dellas, e damos poder, e autoridade ha ElRei D. Fernando pera fazellas, e prometemos por booa fee por nós, e por ho dito Rei D. Fernando, e juramos sobre hos santos Evangelhos, sobre hos quaes pozemos nossas maãs, e fazemos menagem ha vós Rei D. Diniz, que ElRei D. Fernando, e nós tenhamos, e cumpramos, e guardemos, e façamos teer comprir, e guardar todalas couzas sobreditas, e cada huma dellas pera sempre, e de nunqua virmos contra ellas por nós, nem por outrem defeito, nem de direito, nem concelho, e se assi ho nom fizermos fiquemos perjuros, e tredores como quem mata senhor, ou trae Castello. E eu ElRei D. Diniz, por mi, e por ha Rainha Dona Isabel minha molher, e polo Ifante D. Affonso meu filho erdeiro, e por todolos meus vassallos, e socessores, prometo aa booa fee, e juro sobre hos Sanctos Evangelhos sobre que ponho minhas mãaos, e faço menagem ha voos Rei D. Fernando por voos, e por vossos socessores, e ha voos Rainha Dona Maria, e ha voos Ifante D. Anrique de teer, e guardar, e comprir todas estas couzas acima dictas, e cada huma dellas pera sempre, e nunqua vir contra ellas por mi, nem por outrem defeito, nem direito, nem conselho, e se assi nom fizer que fique por perjuro, e tredor como quem mata senhor, ou trae Castello. E porque todas estas couzas sejam mais firmes, e mais certas, e nom possam vir em duvida, fazemos desto fazer duas cartas em hum teor, que hee huma como outra seladas com nossos sellos de chumbo de noos ambos os Rex, e dos sellos das Rainhas sobredictas, e do Ifante D. Anrique, e em testemunho de verdade; das quaaes cartas cada hum de noos hos Rex ha de teer senhas: feita em Alcanizes quinta feira doze dias do mez de Setembro da era de mil duzentos noventa e sete annos (1297). E aalem deste escãibo geral se passaram outras cartas particulares pera hos Lugares que se aviaõ denetregar por virtude das quaes ElRei D. Diniz mandou tomar posses, que se fizeraõ solenemente com desnaturamentos dos vassallos, de Castella, tornando aho Senhorio de Portugal, de que ha estromentos na Torre do Tombo, e por estas Villas, & Castellos de Riba de Coa, que eraõ de D. Sancho sabeendo ElRei D. Fernando, que lhos avia de dar ha ElRei D. Diniz logo por acordo das Cortes de Çamora, deu ElRei por ellas em sua satisfaçaõ aho dicto D. Sancho, e ha Dona Margarida sua molher has Villas de Galisteu, e de Grada, e de Miranda em Castella, e porque destes escãibos poderia nacer duvida, porque Saõ Felizes dos Galegos nom hee oje de Portugal, assi como saõ Olivença, e Campo maior, e Ouguela, que com elles foraõ dados por Arronches, e Daracena, hee de saber, que ElRei D. Diniz ouve delles ha posse, como dos outros Lugares, e lhe fez ho Castello, e Alcacer, que teem, mas depois fez delle doaçaõ ha D. Affonso Sanches seu filho bastardo, e seu Mordomo moor, que por consentimento delRei seu padre, ho deu cõ mais certa soma de dinheiro ha D. Affonso de Molina por ametade Dalbuquerque, de que ho dicto Affonso Sanches foi Senhor, e porque ElRei D. Affonso ho Quarto, irmaão deste Affonso Sanches em vida delRei seu padre, teve cõ elle imizade, e competencia, logo como Regnou ho desterrou de Portugal, e se foi pera Castella, onde foi mais Senhor de Medelim, e doutras Villas, e se fez vassallo delRei D. Fernando, por onde Portugal perdeo Saõ Felizes, pella dicta doaçam delRei D. Diniz, e por este desterro de Affonso Sanches, nom ouve Albuquerque, como aho diante mais largamente se diraa. *CAPITULO XI* _Como ElRei D. Fernando cazou com a Ifante Dona Costança, e ho Ifante D. Affonso de Portugal com ha Ifante Dona Breatis de Castella, e das menagens, que sobresso se fizeraõ, e da decisaõ, que fez nas contendas que avia antre hos Principes Despanha, e da grandeza, e prudencia com que nella se ouve, e muitas mercees que fez_. Tanto que foraõ acabados hos dictos escãibos, e concordias, e todalas outras couzas sobre que antre hos Rex avia algumas duvidas, e debates, logo ElRei D. Fernando recebeo por palavras de prezente ha Ifante Dona Costança filha delRei D. Diniz, e pera ho dicto cazamento seer pera sempre mais firme, assi no espiritual, como no temporal, ho dicto Rei D. Fernando, e ha Rainha Dona Maria sua madre, juraram solenemente que ho dicto Rei nunqua por outra nhuma molher deixaria ha Ifante Dona Costança, salvo por sua morte, e esto fizeram, porque nom tinham avida dispensaçam do Papa, que por serem muito parentes, era necessaria, ha quaal logo procuraram, e ouveram, e em se acabando ho dicto recebimento, ElRei D. Fernando dice por si aho Ifante D. Anrique, e ahos outros Ifantes, e Senhores nomeados, que eraõ prezentes, nesta maneira. Porque deste cazamento, que Deos quis que fosse, eu sam muito honrado, e contente folgaria que por nhum cazo, salvo por morte antre noos ambos nunqua se desfizesse, ca vos rogo, encomendo, e mando, que pera maior firmeza, e segurança delle jureis aqui ahos Sanctos Evangelhos, e façais por voos preito, e menagem ha ElRei D. Diniz, que nunqua leixarei a Ifante Dona Costança sua filha, minha molher, e seendo cazo que eu ha queira leixar, ho que Deos nom mande, que voos me dessirvaes, sejaaes com vossas pessoas, teerras, e vassallos contra mi, e com tudo ajudeis, e sirvaes ha ElRei D. Diniz, e ha seus socessores atee que torne ha viver com ella, assi como com minha molher em toda sua vida, e se eu for vivo, que aalem desso cumpra inteiramente todalas couzas que antre noos aqui saõ postas, e concordadas, e pera esto melhor, e mais livremente ho poderdes fazer, eu dagora pera entaõ vos ei pera esso por desnaturados, e vos quito todolos preitos, e menagens, e juramentos, que tee ho dia doje como vassallos me tinheis feito pera quando eu nom comprir ho que disse, vos servirdes, e ajudardes ha ElRei D. Diniz, e ha seus socessores que vos para esso requererem. Hos quaes juramentos foraõ solenemente tomados, e assi has menagens dadas pera ho sobredicto por si ho comprirem, e manterem de que se tomáram estromentos publicos, que ElRei D. Diniz trouxe consigo ha Portugal, e outros taes de seus juramentos, e outros juramentos fizeram muitos outros grandes Senhores de Castella, que ha este tempo eram auzentes, e hos enviaram ha ElRei D. Diniz mui autenticos, porque assi foi concordado, mas de huns, nem doutros nom ouve necessidade, porque ElRei D. Fernando depois desto viveo beem, e honestamente, e com mais amor, e conformidade com ha dicta Rainha Dona Costança sua molher, e em seu poder faleceo. E assi hos Rex foraõ sempre depois em toda sua vida em muita paaz, e concordia, e sobre ha entrega dos dictos Lugares nom ouve, nem se seguio força feita por Castella, nem alguma resistencia. Acabadas estas couzas ElRei D. Fernando se partio Dalcanizes com ha Rainha sua molher, e ElRei D. Diniz trouxe logo pera Portugal consigo, e por Esposa do Ifante D. Affonso seu filho, ha Ifante Dona Breatis irmãa delRei D. Fernando, filha delRei D. Sancho, e da Rainha Dona Maria, ha quaal seendo ainda mui moça, andou mui honradamente em caza delRei D. Diniz, em quanto ambos eraõ soomente cazados por palavras de futuro, cujo prometimento se fez por elles em Coimbra na era de mil trezentos e sete annos onde ElRei Diniz deu logo aho Ifante seu filho, seendo em idade de sete annos, caza mui honrada, e de muitos vassallos, e de mui ricos homens, e de seu asentamento lhe deu grande contia de dinheiro, e muitos Lugares de sua jurdiçaõ, e pera teer pessoas de seu Concelho, e pera officiaes de sua caza, e fazenda lhe deu hos homens mais principaes que em seu Regno sentio, que eraõ melhores, e mais pertencentes asi, como foi D. Martinho Arcebispo de Braga, e ho Conde D. Martim Gil de Souza, Alferes moor, e assi outros escolhidos pera todolos outros officios. E aalem do ordenado de sua caza, que mui perfeitamente tinha, se acha que deu mais aho Ifante D. Affonso oito mil livras, que valiaõ do preço dagora ha tres mil e duzentos cruzados, de que pudesse fazer beem, e mercee de como quizesse. E depois ho dicto Ifante recebeo por palavras de prezente ha Ifante sua molher, e se fizeraõ suas festas, e vodas em Lixboa, e ElRei lhe deu Vianna, e Terena, e ho Castello Dourem, e ha teerra Darmamar junto de Lamego, e ha sua molher muitas teerras, e grandes joias, e riquezas, como aho diante se diraa. E posto que estes cazamentos, e booa concordia fosse feita antre estes Rex, nem por esso ElRei D. Fernando fiquou em paaz, que nom leixou de teer em seus Regnos guerras, e grandes deferenças, com ElRei D. James deste nome ho Segundo Rei Daragaõ irmaaõ da Rainha Dona Isabel, molher delRei D. Diniz por razaõ do Regno de Murcia, e com D. Affonso de Lacerda seu primo com irmaaõ, que tambem se chamava Rei de Castella, e com ho Ifante D. Joham seu tio, que se chamava Rei de Liam, hos quaaes eram ajudados, e favorecidos de muitos, e grandes Senhores de Castella, e de Liam, contra ho dicto Rei D. Fernando, que por teer no mesmo Regno tam grandes contrairos, padecia grandes afrontas, e era posto em muitas necessidades, nas quaaes se soccorreu muitas vezes ha ElRei D. Diniz seu sogro, com que se vio em Fonte guinaldo junto do Sabugal, e em Badalhouse, que com gentes darmas, e muito dinheiro de seu tezouro, durando suas guerras ho ajudou, e sosteve grandemente, atee que com todos hos dictos seus contrairos, e competidores ho poz por si em paaz, e asocego, como aho diante direi, porque nas derradeiras vistas, que tiveraõ em Badalhouse, que foi na era de mil trezentos e tres annos (1303) se acha por certa arrecadaçam da despeza do tezouro delRei D. Diniz, que elle deu de graça aho dicto Rei D. Fernando seu genro hum milhaõ de maravedis, que segundo ha valia, e conta das moedas faziaõ numero de sincoenta e sinco mil cruzados dos nossos, e mais lhe deu huma copa de huma esmeralda, que foi avaliada em doze mil e tantas dobras douro. E porque nom fiquem suspensas has cauzas, e fundamentos, que ouve pera antre estes Rex, e Senhores aver has guerras, e oompetencias que dice, e porque ha Estoria se entenda melhor, e nom fique confuza, farei dellas huma breve, e sustancial decraraçam. E primeiramente D. Affonso de Lacerda tinha guerra com ElRei D. Fernando ha quaal ficára começada do tempo delRei D. Sancho, porque D. Affonso era filho primeiro ligitimo do Ifante D. Fernando de Lacerda, e da Rainha Dona Branca filha delRei Saõ Luis de França, ho quaal Ifante seendo jurado por erdeiro dos Regnos de Castella, e de Liam, faleceo em vida delRei D. Affonso ho Decimo de Castelia seu pai teendo jaa filhos, ha saber este D. Affonso de Lacerda, e outro D. Fernando, dos quaaes D. Affonso era ho maior, assi por ser neto do dicto Rei D. Affonso, como por contrato do cazamento feito antre ElRei Saõ Luis de França, e ho dicto Rei seu avoo devera erdár hos Regnos de Castella, e de Liam, e por esta cauza ho dicto D. Affonso de Lacerda andando desterrado em Aragaõ, elle em vida delRei D. Sancho seu tio, em tempo deste Rei D. Fernando de Castella seu filho, se chamou, e intitulou Rei de Castella, e porque o titulo, e Regno de Liam elle hos deu aho Ifante D. Johaõ seu tio, pera que ho ajudasse, como logo direi. E porque ho dicto Rei D. Affonso de Castella seu avoo, lhe tinha dado ho Regno de Murcia, que elle ganhara ahos Mouros em que tambem por ElRei D. Sancho ouve cõtradiçaõ, como atraaz fica decrarado este dicto D. Affonso de Lacerda pera teer ajuda, e favor delRei D. James Daragaõ, que era seu tio, pera has couzas de Castella lhe deu ho direito, que tinha no Regno de Murcia, cõ toda sua Conquista, por beem do quaal assi durando ho tempo da titoria delRei D. Fernando em quanto foi moço ho dicto Rei D. James ouve, e conquistou ho dicto Regno de Murcia, que pertencia ha Castella, e ho nom quizera soltar aho dicto Rei D. Fernando, sobre que tinha guerra, ha quaal ElRei D. Diniz antre elles tambem concordou quando foi ha Aragam, como aho diante direi, e ho dicto Rei D. Fernando tinha mais guerra com ho Ifante D. Johaõ seu tio, irmaaõ delRei D. Sancho seu pai, ho quaal Ifante se chamava Rei de Liam com outorga, e consentimento do dicto D. Affonso de Lacerda seu sobrinho, que do dicto Regno, como Rei de Castella, e de Liam, lhe fizera doaçam, porque fosse em seu favor contra ElRei D. Fernando, e lhe ajudasse ha ganhar Castella. E ha este partido contra ElRei D. Fernando, e em ajuda do Ifante D. Johaõ favorecia, e ajudava muito D. Johaõ Nunes de Lara, que tinha grande teerra com muitas gentes, e Fortalezas, este era dezavindo, e fóra do serviço delRei D. Fernando, porque ha Rainha Dona Maria sua madre, e ho Ifante D. Anrique seu Tutor, nom compriaõ com elle has couzas, que ElRei D. Sãcho lhe prometera quãdo ElRei D. Diniz da prizaõ em que estava em Portugal ho enviou solto, e honrado ha Castella, como airaaz fica, e por esso elle deixando suas Fortalezas de Castella ha recado, se foi ha França, e depois tornandose pera Aragam, e Navarra, trouxe destes Regnos consigo muita gente, com que entrou em Castella, e fez nella muito dano especialmente na teerra de D. Johaõ Affonso Dalfaro, que era delRei D. Fernando, ha quaal teerra correo, e estragou por tres dias, no cabo dos quaaes ho dicto D. Johaõ Affonso com muita gente delRei que consigo tinha, veio buscar ho dicto Johaõ Nunes, ho quaal confiando dos Navarros, e Aragonezes ahos primeiros encontros lhe fogiraõ todos, e elle ficou soomente com vinte e seis Cavalleiros de sua caza, hos quaaes como boons, leaes, e esforçados morreraõ todos ante elle, e sendo muito ferido foi na batalha prezo. E por esso hos seus das muitas Fortalezas, que por elle tinhaõ em Castella nom leixaram sempre de fazer ha guerra como dantes faziam, pelo quaal na prizaõ onde ho dicto Johaõ Nunes jazia pera ser solto, ouve taal concordia, que elle desse como deu aho Ifante D. Anrique tutor, e defensor, por molher ha Dona Johana Nunes, ha que disseraõ Palombinha, e que elle Johaõ Nunes cazasse, como cazou com Dona Maria filha de D. Diogo Senhor de Biscaya, com grande acrescentamento de dinheiro, por contia aalem do que tinha. E tanto era ho poder, e valor deste Johaõ Nunes em Castella, que tanto que depois desta sua prizaõ, e desta sua concordia delRei D. Fernando, e delle foi feita, logo por ho Ifante D. Johaõ, e D. Affonso de Lacerda, que se chamava Rei de Castella, se foi logo pera Aragam, e consentio na concordia, que aho diante direi; e ho Ifante D. Johaõ por esso tambem leixou ho titulo de Rei de Liam, e quebrou hos selos de Rei que trazia, e veio beijar ha maõ ha ElRei D. Fernando, e ficou por seu Vassallo, e depois este Ifante D. Johaõ sendo Tutor delRei D. Affonso, filho deste Rei D. Fernando juntamente com ho Ifante D. Pedro, em huma ora por afronta, e sem feridas, ambos morreram na Veiga de Grada, e do dicto Ifante D. Johaõ ficou filho erdeiro D. Johaõ, ho que disseraõ ho torto, Senhor de Biscaya, de que atraaz dice. E feitas assi estas concordias cõ ho Ifante D. Johaõ, e cõ D. Johaõ Nunes, ainda ficavaõ ha ElRei D. Fernãdo duas arduas contendas por concordar de que se esperavaõ grãdes guerras, e muitos danos se nom se atalhassem, e huma era antre ElRei D. James Daragaõ sobre ho Regno de Murcia, e ha outra antre D. Affonso de Lacerda, sobre ho Regno de Castella como atraaz dice. E seendo neste tempo Prezidente na Egreja de Roma ho Papa Benedicto Undecimo, que era homem Sancto, que sobre todos mais desejou, e procurou ha paaz, e amizade dantre hos Rex, e Principes Chistãaos sabendo desta discordia, que antre estes Rex avia, lhe enviou hum Nuncio com seus Breves, encomendandolhe com tantas razoens, que dezistissem do maal da guerra, e escolhessem ho beem da paaz, e pera antre elles se beem fazer como devia se louvassem em algum boom Juiz, que antre elles comprisse, e concordasse suas contendas, e que Sua Santidade ajudaria ha comprir sua determinaçaõ. E hos Rex ambos de Castella, e Aragam obedecendo ahos concelhos, e mandados do Papa se concordaram, e enviaram dizer, que antre elles nom podia aver melhor Juiz, nem mais competente, que ElRei D. Diniz de Portugal, e pediam ha Sua Santidade, que pera elle ho fazer sem escuza, e com maior obrigaçaõ lho quizesse encomendar, porque aalem de ser Rei mui justo, e de mui craro juizo, tinha com elles ambos mui estreito devido, porque era sogro, e primo com irmaaõ delRei D. Fernando de Castella, cunhado, e primo delRei D. James Daragam, cazado cõ ha Rainha Dona Isabel sua irmãa. Da quaal couza prouve muito aho Papa, e ha encomendou com grande afeiçaõ ha ElRei D. Diniz, que por lhe obedecer, e fazer couza dina de taal Rei, e assi por has continuas presses da Rainha Dona Isabel sua molher com que lho pedia, aceitou ho juizo por sua parte, em que tambem entrou ha determinaçaõ, e concordia sobre ha contenda, que era antre ElRei D. Fernando, e ho Ifante D. Affonso de Lacerda, que trazia o sello, e armas direitas do Regno de Castella, sobre que ambos tinham guerra, acerca das quaaes couzas ante de se finalmente concordarem ho Ifante D. Johaõ, tio delRei D. Fernando, de que atraaz dice, foi como seu procurador ha ElRei D. James Daragam, e aho Ifante D. Affonso de Lacerda, e com elles praticou, e asentou hos Juizes, que aviam de seer, e has couzas particularmente sobre que ElRei D. Diniz avia com hos outros Juizes dentender, e dar sua sentença. E asentaraõ, que no que tocava ha ElRei D. Fernando com ElRei D. James sobre ho Regno de Murcia, fossem Juizes ElRei D. Diniz, e ho dicto Ifante D. Johaõ, e D. Ximeno Bispo de Çaragoça, e que na contenda, e diferença, que era antre hos dictos Rex D. Fernãdo e D. Affonso de Lacerda, fossem Juizes hos dictos Rex D. Diniz e D. James soomente sobre huns, e outros fizessem seus compromissos autorizados, e asellados de seus sellos de chumbo, ha saber ho delRei D. James Daragam feito ha vinte dias Dabril da era de mil trezentos e quatro annos,(1304) e pera segurança delle estar pela sentença que se desse, poz em ha refens hos Castellos de Arica, e de Verdejo, e de Gomir, e de Borja, e de Malom. E ho Compromisso delRei D. Fernando, foi ha tres de Maio da era de mil trezentos e quato annos. E com estes Castellos no dicto Compromisso logo assinados por ha refens, e seguranças de comprir qualquer sentença, e determinaçam, que pelos dictos Juizes se desse, ha saber Alfaro, Cerveira, Otoom, & Sancto Estevaõ, e Atença. E tanto que estes Compromissos foraõ concordados dos Rex de Castella, e Daragam, e assi ho Ifante D. Affonso de Lacerda ha que tocava, enviaram por seus Embaixadores pedir ha ElRei D. Diniz, que logo quizesse hir em pessoa por quanto has dictas contendas finalmente se aviaõ de sentenciar, e determinar pelos Juizes atee Sancta Maria Dagosto, do que ha ElRei D. Diniz muito aprouve, e se feez logo prestes, e se foi aa Cidade da Guarda, donde logo partio, e entrou em Castella por Cidade Rodrigo, no mes de Junho da dicta era, e levou consigo ha Rainha Dona Isabel sua molher, e ho Ifante D. Affonso seu irmaaõ, e D. Pedro seu filho, e ho Conde D. Johaõ Affonso, e Prelados, e Infançoens, e Cavalleiros em numero de mil pessoas, afora outras muitas gentes pera que feez prestes has gentes de seus Regnos, e na Guarda aprovou, e escolheo della ha que quiz, que foi muita, e mui honrada, e ha mais riqua, e concertada de suas pessoas, cavallos, arreios, e vestidos, que atee aquelle tempo em semelhante cazo se visse, e pera esta ida ouve ElRei D. Diniz grandes ajudas de dinheiro de seus poovos. Ante que ElRei partisse da Guarda, chegou ha elle Diogo Garcia de Toledo, Cavalleiro da Caza delRei D. Fernando, e com elle dous seus escudeiros com has fraldas das capas cheias de chaves daquellas Villas, e Castellos por onde ElRei D. Fernando foi certificado que seria a ida e vinda delRei D. Diniz, e nellas lhe fazer prestes has pouzadas, mantimentos, e couzas que ha elle, e ha suas gentes comprisse, e mais entregar-lhe aquellas chaves, que eram das Villas, e Castellos por onde avia de passar pera nellas pouzar, e fazer dellas livremente todo ho que quizesse, como de suas proprias. ElRei D. Diniz lhe dice, que ha ElRei D. Fernando elle lhe gradecia muito seu convite, e assi ho offerecimento de suas Villas, e Castellos, de que lhe rogava, que ho ouvesse todo por escuzado, e que por escuzar alguns boliços, e alevantamentos de suas gentes com has de Castella, elle nom esperava de pouzar em Villas, e povoaçoens, antes ho mais alongado dellas que podesse, pera que levava muitas, e booas tendas, em que se alojaria. E porèm ali por acordo de pessoas, que ho beem sabiaõ concordou todas as jornadas, e alojamentos, que faria, atee Aragaõ, e foi acordado, que Diogo Garcia, dous, ou tres dias sempre fosse, como foi diante pera lhe fazer trazer hos mantimentos, e couzas necessarias, que ElRei mandava ha todos pagar mui liberalmente, e por esso lhas traziaõ com booa graça, e em grande abastança, em que chegando ElRei D. Diniz aa Villa de Coelhar, que hee em Castella, ho veo receber ElRei D. Fernando, e com elle ho Ifante D. Johaõ, e outros muitos grandes, e Senhores de Castella, e depois de averem prazer, e consultarem antre si has couzas, que pediaõ, se partiraõ da li com fundamento de todos irem, como foram atee Soria, e foraõ apartados por dous caminhos, e nom muito afastados por rezaõ de huns, e outros averem melhor suas provizoens, e mantimentos, e de Soria donde ElRei de Castella se espedira delle, ElRei D. Diniz, e ha Rainha sua molher, e ho Ifante D. Johaõ de Castella passaram ha Grada, que hee do derradeiro Lugar de Castella, fronteiro Daraguam, onde com muitos, e nobres Cavalleiros, e Donas Daragam hos veio receber ElRei D. James, e ha Rainha Dona Branca, sua molher, e aho outro dia comeraõ todos com ElRei D. Diniz, que de baxellas douro, e de prata, e doutros Reaes comprimentos, hia tam abastado, e apercebido, como pera convite de tantos, e taaes Rex, e em seus proprios Regnos devidamente se requeria. Acabados hos convites ElRei, e ha Rainha Daragam se volverão ha Tarraçona, e ElRei D. Diniz, e a Rainha sua molher, e ho Ifante D. Johaõ aho outro dia se foraõ aa mesma Cidade onde era concordado, que pera determinação de seus debates todos aviaõ de seer juntos, salvo ElRei de Castella, que nom avia de seer prezente, porque ho dicto D. Johaõ seu tio por todas suas couzas hia por seu Procurador soficiente. Tanto que estes Rex, e Senhores foraõ juntos em Tarraçona ouvirão has partes, e seus Procuradores sobre has cousas, que ha cada hum tocava, ElRei D. Diniz, e ho Ifante D. Johaõ, e D. Ximeno, Bispo de Çaragoça Juizes arbitros, e deputados, que eraõ pera hos debates, e duvidas que avia antre ElRei D. Fernando de Castella, e ElRei D. James Daragam sobre ho Regno de Murcia. Ahos oito dias do mez Dagosto do dicto anno, deram sentença ha saber, que Cartagena, e Guadamir, e Alicante, e Acheche, com seu porto de maar, e com todos seus termos, e com todo ho que lhe pertencia, e podia pertencer, assi como Talha Agoa de Segura, antre ho Regno de Valença, e antre ho mais alto cabo do termo de Vilhena, tirando desto ha Cidade de Inice, e de Molina, e seus termos todos, e outros sobredictos Lugares ficassem, e fossem pera sempre DelRei Daragam, e de seu Senhorio, salvo, que Vilhena ficasse ha D. Johaõ Manuel, e que o Senhorio, e propriedade ficasse ha ElRei Daragam, e que ha Cidade de Murcia, e de Molina, e Monte Agudo, e Loreina, e Alfama, com todolos seus termos, e todolos outros Lugares, que saõ do Regno de Murcia, tirando hos sobredictos Lugares, ficassem ha ElRei de Castella, e que se soltassem prizioneiros de huma parte, e da outra, e assi quaaesquer arefens, e segurãças dadas por elles, e que este contrato jurasse ElRei D. Fernando em pessoa, e fizesse jurar, ha todolos Grãdes Senhores de seu Regno. E esta sentença com outras muitas crausulas, que aqui nom fazem aho propozito, foi dada no Lugar de Torrelhas, sentenceada junto de Tarraçona Sabado oito dias do mez Dagosto, da era de mil e trezentos annos. E aho pubricar da dicta sentença eraõ prezentes ho dicto Rei D. James Daragam por si, e por ElRei D. Fernando como seus Procuradores soficientes eraõ prezentes Fernaõ Gomes seu Chançarel, e Notairo moor do Regno de Toledo, e Diogo Garcia, seu Chançarel moor do Selo da puridade, e Mordomo da Rainha Dona Costança, sua molher, hos quaaes todos consentiram na dicta sentença, ha cuja pubricaçaõ eram em pessoas prezentes, Grandes Senhores do Regno de Portugal, e de Castella, e Daragam, e na dicta sentença saõ particularmente nomeados. E tanto que esta sentença foi pubricada, logo no mesmo dia, lugar, e anno, prezente has mesmas testemunhas, ElRei D. Diniz, e ElRei D. James sobre contenda, que era antre ElRei D. Fernando, e D. Affonso de Lacerda, que se chamava Rei de Castella por cõcordia dambos, deraõ, e pronunciaraõ outra sentença porque ho dicto D. Affonso de Lacerda ouvesse pera si no Regno de Castella livres pera sempre estas couzas, ha saber Alva de Tormes, e Bejar, e Vai de Arnajem, e Mançanares, e Alga boa, e hos montes Daguda de Magam, e Povoa da Çarça com seu Alfoz, e ha teerra de Lemos, e Robaina, que hee no Xarafe, e ametade Della, e Baldaia, e hos moinhos, e ha Ilha de Sibilla, que foraõ de D. Johaõ Mateus, e hos moinhos, e ha Cidade de Fornachuellos, que foraõ de Nuno Fernandes de Valdenebro, e Incasta, e hos moinhos de Cordova. E qne ho dicto D. Affonso de Lacerda, entregasse ha ElRei D. Fernando certos Castellos, que tinha de Castella, e que leixasse pêra sempre ho titulo, e selo, que tinha de Rei de Castella, com outras muitas seguranças de juramentos, e de Castellos, que ElRei D. Fernando poz em arefens atee trinta annos. E ha pubricaçaõ desta sentença ho dicto D. Affonso de Lacerda nom quis estar por vergonha em pessoa, posto qne nella consentio, e aprovou. Das quaaes sentenças hos dictos Juizes, mandaram passar suas cartas ha seladas de seus selos. E dadas ha cada huma das partes ha que tocava, e com estas concordias assi feitas toda Espanha cercada de Rex Christãaos della, ficou em paaz, e ha secego, e ElRei D. Diniz, e ElRei Daragam, com has Rainhas suas molheres se partiram logo de Tarraçona, e se vieram todos Aguda, onde ElRei de Castella com ha Rainha Dona Maria sua madre, hos estava esperando, e hos sairam ha receber grandemente, acompanhaados com todo seu Estado, e com ha maior honra, que então se pode fazer. E hos Rex comeraõ aquelle dia com ho dicto Rei D. Fernando, e has Rainhas Dona Isabel de Portugal, e Dona Branca Daragam, comeram com ha ditca Rainha Dona Maria de Castella, e alli veio D. Fernando de Lacerda, irmaão menor de D. Affonso de Lacerda, chamado por mandado delRei D. Diniz, e trazido Dalmaçaõ donde estava pelo Conde D. Pedro seu filho, onde estava, ElRei D. Diniz lhe deu grandes joias, e fez grande mercee, e assi ho fez ficar por vassallo delRei D. Fernando, que depois lhe fez muita honra, e acrecentamento, porque depois do morte do Ifante D. Anrique seu tio, e tutor cazou ha dicto D. Fernando com Dona Johana Nunes de Lara, que foi molher do Ifante, como atraaz se dice, com que ouve muita teerra, e grande fazenda, de que ouve filhos honrados. E alli em Aguda hos tres Rex Despanha, que eram juntos, e assi ho Ifante D. Johaõ por contrato feito firmáram todos quatro suas amizades, e lianças, pera dahi em diante elles, e seus sucessores serem pera sempre amigos de amigos, e imigos de imigos, e se por ventura alguum delles em sua vida, ou depois alguum, que delles descendesse fosse contra esta paaz, e amizade, e liança, que hos outros dous fossem contra elle, por guerra, ou por outra qualquer maneira lhe fazerem guardar, e cumprir esta postura, ha quaal queriam, que fosse confirmada pelo Papa com censuras, e penas de grandes excomunhoens, em que logo encorresse aquelle que ha quebrasse, e fosse contra ella, e que cada hum sem poder de procuraçaõ dos outros podesse por si empetrar, e aver esta confirmaçaõ do Papa. E com esta concordia feita, e acabada, hos Rex mui alegres, e contentes se despediram, ha saber ElRei Daragam pera Tarraçona, e ElRei D. Diniz pera Soria, onde esperou ElRei D. Fernando seu genro, e ambos dalli por desvairados caminhos, se vieraõ ha Valhadolid onde estava ha Rainha Dona Costança filha delRei D. Diniz e molher delRei D. Fernando. E porque nom passassem sem lembrança, e por honra, e louvor delRei D. Diniz has muitas grandezas, e grandes nobrezas de que nesta jornada em dous Regnos estranhos, e cõ tamanhos Rexuzou hee de saber por certa verdade que ElRei D. Diniz chegou ha Tarraçona ante de darem, e pronunciarem has dictas sentenças, ElRei D. James Daragam seu cunhado, pera ha guerra dos Mouros, e pera outras necessidades, que se lhe offereciam lhe pedio emprestados des mil dobras douro, dizendo, que por penhor da paga dellas, lhe faria quaesquer escrituras, e daria fieldade de quem quizesse atee pagar has dictas dobras, hos Castellos de seu Regno, que por beem tivesse, e lhe mandaria delles fazer preito, e menage; E ElRei lhe dice, que ho emprestimo das dees mil dobras era escuzado, mas que daquellas, e doutras tantas por que fossem vinte mil, lhe fazia graça, que pois elle has tinha, que era razam de lhas dar, e elle Rei Daragam de has receber delle, pois lhe compriaõ, e dellas tinha necessidade, has quaaes logo lhe mandou entregar. E aalem desso deu mais aa Rainha Dona Branca sua molher muitas, e mui ricas joias douro, e pedras preciozas. E assi ho fez ha todolos Senhores de sua Corte ha que tambem deu mui ricas joias douro, e prata, de suas baxellas, e muitos panos douro, e de seda, de que pera esso foi logo de seu Regno mui percebido. ElRei Daragam nom quiz nhuma couza, salvo que elle soo sem outro alguum, comeo algumas vezes com elle. Esta maneira teve ElRei D. Diniz com ElRei D. Fernando seu genro, aqui em Valhadolid se ajuntaram a si has Rainhas Dona Maria, e Dona Costança, ahos Ifantes D. Pedro, e D. Johaõ, deu mui grandes dadivas, em joias douro, e pedraria de grandes preços, e nom soomente ho fez assi ha todolos grandes Senhores, e nobres homens, que eraõ na Corte, mas ainda se acha, e lee por mui certa verdade, que ahos que eraõ auzentes lhas enviava por seus messageiros, e disto principaalmente foi ElRei D. Diniz muito louvado, e ficou delles louvado em perpetua memoria, que tamanhos Rex como eram ElRei de Castella, e ElRei Daragam, e has Rainhas suas molheres receberam delRei D. Diniz em seus Regnos, e proprias teerras tantas, e tam grandes graças, sendo elle tanto pera lhas dar ha elles, parecendo beem, e razaõ de ho receberem delle. E no cabo destas repartiçoens se acha, que hum Cavalleiro honrado, que era prezente de que por ventura a nobreza delRei D. Diniz es esquecera, se aggravou ha elle em pessoa com palavras, que pareciam de fidalguia, estando ElRei comendo em huma meza de prata, que comsigo trazia, ElRei com ho rostro mui alegre lha mãdou logo dar, porque era jaa ha peça menos principal de seu tezouro, que lhe ficara. E de Valhadolid ElRei D. Diniz, e ha Rainha Dona Isabel sua molher se despediram delRei, e das Rainhas, e Ifantes de Castella, e alegre, e muito honrado se tornou ha seu Regno de Portugal. E nesta jornada tardou da entrada de Junho do dicto anno de mil trezentos e quatro, em que entrou em Castella, e elle era ha este tempo de idade de quorenta e tres annos, e avia vinte e sinco annos, que Regnava. *CAPITULO XII* _Das ajudas, que ElRei D. Fernando de Castella, ouve delRei D. Diniz, pera ha guerra dos Mouros de Grada_. Posto que ElRei D. Fernando ficasse em paaz com ElRei Daragam, e com D. Affonso de Lacerda, como dicto hee, porém elle como era Rei Catholico, e de grande coração, ha quiz converter em guerra contra Mouros imigos da Fee, especiaalmente em conquistar, e cobrar ho Regno de Grada se podesse, e pera mais facilmente, e com menos trabalho ho poder fazer, dezejou em sua ajuda ha ElRei Daragam, aho quaal por seus Embaixadores convidou pera esta empreza, ho quaal ha aceitou, com taal condição, que elle pera ho Regno, e Senhorio Daragaõ ouvesse pera sempre ho Regno Dalmeiria, que estimaram seer ha setima parte do Regno de Grada, e com este partido antre elles concertado, ElRei D. Fernando estando em Alcalá de henares, ho fez saber ha ElRei D. Diniz seu sogro, e lhe pedio, que pera guerra ha elle tam justa, e de tam sancta memoria, e principalmente pera logo hir sobre Algezira, ho quizesse ajudar com alguumas gentes de seus Regnos, e emprestarlhe algum dinheiro de seu tezouro. Aho que ElRei D. Diniz louvando seu proposito, e confiança satisfez, que lhe enviou ho Coade D. Martim Gonçalves de Souza seu Alferes moor, cõ sete centos de cavallo beem aparelhados, e mais lhe emprestou dezaseis mil e seis centos marcos de prata, em penhor dos treze mil marcos delRei D. Fernando, e atee lhos pagar lhe deu ha Cidade de Badalhouce com seu alcacer, e com todolos Castellos, termos, rendas, e direitos Seculares, e Ecclesiasticos, que ha ella pertencem, e que ElRei nella avia, e que ElRei de Castella durando ho dicto empenhamento, nom lançasse na dicta Cidade, e seus Castellos, e termos, peitas, nem serviços, nem se fizesse justiça por elle, mas por ElRei D. Diniz, e por seus socessores, hos quaaes poriam Justiças, nem has gentes serviriaõ ninguem, nem na paaz com ElRei de Castella, mas com ho dicto Rei D. Diniz. Deste empenhamento em que se conteem muitas crauzulas, e solenidades, e seguranças se fez carta ha selada do selo de chumbo feito em Volhadolide ha tres dias de Julho da era de mil trezentos e nove annos, (1309) com outorga da Rainha Dona Costança, e da Ifante Dona Lionor, que era dambos, ha filha primeira, e pelos trezentos e seis marcos de prata, que ho dito Rei D. Fernondo deu ha penhor, aho dicto Rei D. Diniz, has Villas Dslcouchel, e Bragilhos com seus termos, rendas, Justiças, e serviço de gentes com todalas crauzulas, e solenidades da carta decima, porque ambas foram feitas em hum dia. E ElRei com seu poder junto, foi cercar Algezira, sobre que jouve hum teempo, e durando assi este cerco, D. Johaõ Nunes de Lara, que diceram ho Boom aquelle, que se fez vassallo delRei D. Diniz como atraaz dice, tomou principaalmente Gibaltar ahos Mouros. E tambeem no dicto cerco, foi aho dicto Rei de Castella noteficada ha destroiçam dos Templarios sobre que ElRei D. Diniz, e elle se concordaram como aho diante direi, e porque falleceram ha ElRei de Castella hos mantimentos pera has muitas gentes que tinha, alevantou ho cerco Dalgezira, e ha nom tomou desta vez, e tornouse pera Castella, e dahi ha pouco teempo ElRei D. Fernãdo de Castella avendo quinze annos, que Regnava, e seendo de idade de vinte e quatro annos faleceo em Jaem de morte supitania, e emprazado, seguundo fama, por dous Cavalleiros, que contra direito no Lugar de Mattos mandou matar, e no dia de sua morte se compriraõ hos trinta dias pera que elles ho emprazaram, e por sua morte ficou por seu erdeiro, e socessor ElRei D. Affonso seu filho, em idade de hum anno, e vinte dias, como aho diante se diraa. FIM DO PRIMEIRO VOLUME End of Project Gutenberg's Chronica d'el rei D. Diniz (Vol. I), by Rui de Pina *** END OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK CHRONICA D'EL REI D. DINIZ *** ***** This file should be named 16571-8.txt or 16571-8.zip ***** This and all associated files of various formats will be found in: http://www.gutenberg.org/1/6/5/7/16571/ Produced by Rita Farinha and the Online Distributed Proofreading Team at http://www.pgdp.net. Produced from images provided by Biblioteca Nacional Digital (http://bnd.bn.pt) Updated editions will replace the previous one--the old editions will be renamed. Creating the works from public domain print editions means that no one owns a United States copyright in these works, so the Foundation (and you!) can copy and distribute it in the United States without permission and without paying copyright royalties. Special rules, set forth in the General Terms of Use part of this license, apply to copying and distributing Project Gutenberg-tm electronic works to protect the PROJECT GUTENBERG-tm concept and trademark. 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Redistribution is subject to the trademark license, especially commercial redistribution. *** START: FULL LICENSE *** THE FULL PROJECT GUTENBERG LICENSE PLEASE READ THIS BEFORE YOU DISTRIBUTE OR USE THIS WORK To protect the Project Gutenberg-tm mission of promoting the free distribution of electronic works, by using or distributing this work (or any other work associated in any way with the phrase "Project Gutenberg"), you agree to comply with all the terms of the Full Project Gutenberg-tm License (available with this file or online at http://gutenberg.net/license). Section 1. General Terms of Use and Redistributing Project Gutenberg-tm electronic works 1.A. By reading or using any part of this Project Gutenberg-tm electronic work, you indicate that you have read, understand, agree to and accept all the terms of this license and intellectual property (trademark/copyright) agreement. 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